domingo, março 25, 2007

Latenza



É só falsa solidez. Coisa que se conserva em tudo aquilo que se consumiu em ardências. Ao menor toque, levemente desmorona em cinzas. Estar entre teus dedos, indica-dor e médio, enquanto me leva à boca brincando de inspirar vazios, não me alivia o peito. E me traga a confiança. Envolta em carências, quis alimentar tua fome.
Em vão.
E quando você lançar minhas cinzas pela janela, eu fantasio vôos e sonhos de liberdade.
Sou alérgica, e tem essa sua compulsão exalando em fumaças. Ar denso. Embora não haja consistência em nenhum lugar. Nem fora de mim. Eu tentando me agarrar. Eu tenho medo. Tens olhos fundos e frios. Cansados de estradas desertas trajando poeira e asfaltos, talvez. E eu querendo te mostrar que bem ali, no terreno das impossibilidades uma flor desabrocha. Rompe. E eu já nem sei se é em meio ao asfalto ou as tuas retinas.
Já não importa.
Tanto.
Alheio. Indiferente. Só lhe interessa contornos e imagens. Ocas. Se há ou não um milagre agonizante em minhas mãos estendidas...
Já não importa.
Os olhos úmidos de desejos. A boca seca. Esse bolo vermelho de angústia pulsando no peito. Tantas mulheres estiveram despidas em teus braços. Quiçá uma estivesse nua.
Esse mundo esquizóide, tanto corpo esquecido do que há dentro. Conta minha alma em prosa e poesia das coisas que passam, desse corpo febril que virará pó, e do teu toque que ao abrir fendas, cria abismos.
E me tira o sono.
Suores gritam verdades líquidas. Vou passar. Mas antes de.
Você bem que podia apagar meu incêndios com tua saliva. Assim, entre as minhas pernas. Já te vejo ensaiar entre idas e vindas. A cena final. Rompendo o silêncio do êxtase, o fechar da porta. E teus passos firmes.
De quem sempre soube onde quer chegar.
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Cecília Braga
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Cigarros de Bali

Tirei do bolso um maço e com um estalo de isqueiro acendi um amor
Sou sujeito-simulacro
Meu amor dura apenas o tempo de um cigarro
As cinzas lembranças
Jogo pela janela
Vicio que chega no imperativo
Já porta um futuro implícito:
Queimar um novo amor cigarro
Essa ilusão de frescor no peito vicia.
Mas o vento só leva o que é cinza, não o que queima.
Faz tanto mal eu sei, só mais um.

Arremedo de amor se apaga assim:
Como bituca de cigarro no cinzeiro
Tuas cinzas em meu lençol, o vento leva.
E nada aplaca esse mal-estar sem nome,
Pro que me consome, consumo.
Compulsivamente trago você
Sou pós-moderno, Baby.
Eternamente insatisfeito
Quero queimar um novo amor cigarro
Essa ilusão de frescor no peito vicia.
Mas o vento só leva o que é cinza, não o que queima.
Faz tanto mal eu sei, só mais um.

Cigarro de cravo queima em minha boca
Crava em meus pulmões esse amor
Teu efeito anestésico, eugenol:
Óleo de cravo que inspiro
Ilusão de frescor no peito, vicia.
Mas o vento só leva o que é cinza, não o que queima.
Faz tanto mal eu sei, só mais um.

Carrego no bolso junto ao peito esse vazio,
E toda promessa de gozo e felicidade
Que vi na tv.
Tens fogo?
Há tanta coisa pra queimar...
Acende meu cigarro.
Essa ilusão de frescor no peito vicia.
Mas o vento só leva o que é cinza, não o que queima.
Faz tanto mal eu sei, só mais um.

Mateus Silva e Cecília Braga

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"No escuro eu sentia essa paixão contornando sutilíssima meu corpo. Estou me espiritualizando, eu disse e ele riu fazendo fremir os dedos-asas, a mão distendida imitando libélulas na superfície da água mas sem se comprometer com o fundo, divagações à flor da pele, ô! amor de ritual sem sangue. Sem grito. Amor de transparências e membranas, condenados à ruptura".
Lygia Fagundes Telles

segunda-feira, março 19, 2007

SIM

'Consta na minha janela um mundo que está sempre ali, acontecendo. Existe essa porção bela de vida e insiste em permanecer existindo, para que seja vista. Porque ela está sempre ali. Muitas vezes não a vejo, por descuido ou tarefa banal do dia-a-dia, de costas para a poesia do mundo. Consta no passeio ao parque, tardinha chegando, sol baixando, consta no vento, no céu, nas amizades, no beijo, nos gestos, nas ruas e nos cantos desse mundo. Em toda parte habita a poesia inexplicável da vida. Ela está presente, todos os dias e todas as horas, e felizes são os momentos em que a encontro, de súbito, por inteiro, e ela acerta sempre em cheio. Poesia certeira, eternizada a partir de um brevíssimo e feliz estado de consciência elevado. Que seja eterno, posto que é verdadeiro, e que torne os dias uma coletânea dos sentimentos mais bonitos'.
Tomas Barth
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Meia-luz. Sombras tantas fazem saltar aos olhos contornos novos de objetos antigos. Realidade vela-da. Pupilas dilatadas. É noite escura. Dia que se fechou em azul-marinho. E cinzas. Tudo em volta se contraiu, feito bicho assustado.Mas aprendi a continuar andando mesmo quando. Hostilidade desperta. Instinto de bicho acuado. Sentidos arrepiados. E sinto o mundo entrar pelos meus poros. Percorrer-me inteira. Lateja no peito esse grito com-passado. Repetido. Atmosfera de juízo final. Um levantar de medos e memórias mortas. Melhor assim. É dia esperado. Separar o joio que deixei crescer em meio ao trigo. Nesse campo vasto em que cultivo minha vida. Semeio ventos, às vezes. Coisas de sementes, colheita multiplicada. Depois de me re-colher inteira. Sentir a terra fria e úmida sob meu corpo quente, lavado em lágrimas insistentes, coração em marcha. Ordem de batalha. Travada a sós. Triunfo sobre mim mesma. Cansada de me auto-sabotar. In-consciente. O Sol se espreguiça entre nuvens leves. Desabou sobre a Terra o que era peso e possibilidade de vida. No silêncio da semente, o milagre. A vida fresca. O mundo de corpo e cabelos lavados. Secando ao sol. Dourando a pele e os pêlos. Reluz os campos de trigo. E o vento menino brinca. Meu corpo é todo janela. Tenho a alma debruçada à contemplar o mundo. Beleza que embriaga. Tem cheiro de recém-nascido. Sinfonia amarela, jazz-mim. Blues, toque das asas de borboletas. Doce sensualidade. Vontade de e-ternizar instantes. A pleno pulmões o universo canta em uníssono a vida. Explode estrelas, colisão de uni-versos, show de pirotecnia. E eu danço de olhos fechados, sem medo de perder o ritmo ou errar o passo. Porque quando deixo a música da vida vibrar inteira em mim e sinto ter tudo, sem nada ter...( Mãos vazias. Coração que se derr-ama). Quem mergulha solitário no mistério da vida se des-cobre acompanhado de tantas solidões que se abraçam. E abro os olhos. E giro. Dançando e sorrindo. Tenho as mãos cheias de rosas, girassóis e lírios. Giram no ar borboletas azuis e amarelas. Meus pés na grama verde. O sol sacralizando tudo com manto dourado. E vejo gente tanta chegar. Uma a uma. Recebe o que tenho nas mãos...flores. E o meu melhor abraço. Dai-me tua mão. Dança comigo. Declama no olhar a tua poesia sincera. Partilha comigo um instante verdadeiro. Deixa tua marca em minha alma. Quero te re-conhecer mesmo quando o que te anima despir-se desse corpo. Deixa tua pegadas im-pressas na minha história. Trans-forma. Encontro, sim. Dois universos que se tocam...Big Bang.
Re-veste de poesia teu olhar...E de-clama tua vida com todo teu ser.
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Cecília Braga

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Por não estarem distraídos
'Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos'.
Clarice Lispector

terça-feira, março 13, 2007

Briza


Essas horas andam carregadas de vazias esperas...que pesam tanto. Vejo daqui, ao pé da porta, se arrastarem lentas. Só aqui dentro é que tudo insiste em ficar. Eu que sonhei com campos de algodão. Acordo entre mofos. E tenho medo. Casa abandonada, lençóis brancos en-cobrindo o que ficou ... para proteger? para postergar?
O tempo marcado em minha pele morta...é só essa poeira pela casa repleta de tantas falsas impressões. Não há saudade aqui.
Só muitos, eu pensei que. E senti tanto.
Vejo as horas dobrarem a esquina, partindo o dia ao meio. Sem dizer adeus. Arrastando o tempo em chão de cascalho. É tarde. E sangra.
Meus olhos feito ampulheta...escorrem. Choram os segundos desperdiçados. Não os que vivi. Mas estes agora, em que não consigo ir. Tempo começa a go-te-jar lá fora. E decidi abrir as janelas e portas. Não quero ficar seca, jamais.
O céu me olha azul...eu girando em grama verde. Sol enlaçando de-va-gar espessas nuvens . Enrubrecendo-as num abraço. Coisa de quem quer segurar o coração dentro do peito...E tamanho esforço esquenta e avermelha a face...e os olhos transpiram. O dia finda assim, nesse abraço que acende estrelas. É noite clara, repleta de lucidez.
Amanheci pintando de amar-elo essas paredes. Estradinha de chão, pés descalços. Cerca verde e viva. Redes na varanda. Desabrocham em vermelho, rosas. Girassóis. Pé de amora. Cheiro de vida, hortelã, manjericão e canela. Vista para o mar. Fica em campos de algodão. E eu estou indo te buscar, meninamarela. Porque ainda ontem escutei e hoje se faz eco: "solidão é campo vasto que não se deve atravessar sozinho". Hoje eu só quero caminhar contigo.
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Cecília Braga

terça-feira, março 06, 2007

(Ar-de)-dia


Seu olhar dilatado. Em mim. Essa barba desenhando desejos e eriçando os sentidos. Cala frios com a autoridade dos teus sussurros. E Profetiza ardências no calor da tua voz. No meu ouvido. Diz de confianças. E cria um mar de desejos. As minhas rubras ânsias, ainda inflamadas, havia confiado ao azul. Marinho. Mar que acalma. Segredos submersos.
Superfície parece calma mas, centro da Terra ferve.Carne febril, treme. Dos atritos. Dos Calores. Superfície em erupção. Remexida com as marés, onda traz em claro azul realçadas rubras ânsias. Teu toque abrindo fendas, tirando sons sustenidos. Meus átrios e poros se dilatam, arte de sublimar calores em suores.
Deita no meu colo-útero tuas saudades e teu desejo de completude. Tenho a boca úmida salivando fomes. Desfalecida de internas lutas e medievais resistências. Entre minha pele e a tua todas as distâncias foram lançadas, uma a uma, ao chão. Imperativo de nos deixar à vontade. E por capricho dela.
Ah, bem sei. Logo terei que vestir as distâncias. E partir. Reconhecer-me como ser faltoso. Despi o véu de Maya há tempos. Mas ainda fantasio de ilusões duras verdades.
Engana-dor.
E penso que, quando o vulcão cessar e adormecer, talvez eu possa ver, lá no fundo, tua alma entregue. Em sonhos.
Dorme. Minha alma quer se entre-laçar na tua. Encontro tântrico. Se isso acon-tecer....en-fim, uma noite erótica.
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Cecília Braga