segunda-feira, junho 25, 2007

Para ele, que ainda vai chegar.


Bem que ele podia chegar e desenhar sonhos na minha pele.
É que meu corpo quer ser para ele segurança e liberdade,
Para quê de todos os lugares que ele pudesse estar,
só sentisse pertencer a um,
E ali escolhesse ficar.
Aconchegar o corpo sobre o meu,
só pra partilhar dos sonhos que projetou em mim,
Tão nossos.
E por vezes o tempo parasse, assim:
Meus dedos desenhando caminhos nas tuas costas,
Minhas mãos perdidas no castanho de teus cabelos.
Nossos olhos traríamos fechados,
porque o céu vai acastanhando é dentro,
luz do mel ao sol.
A alma agradecida e agraciada.
Reluz.
Enquanto tua barba-por-fazer ara minha pele,
E tua boca de ventos úmidos e quentes muda a direção dos meus pêlos,
Arraigados em tantos arrepios.
Tua respiração pontua frases, de íntimas levezas, poeirinha de estrela,
que sem caber na voz, acende o olhar.
Das ancestrais sedes que trazes,
meus lábios, fonte.
Tua boca bebendo na minha o frescor da minha linguagem.
Já tão tua.
Os corpos banhados de mar.
Meu olhar se pondo no seu.
A noite pousa suave sobre o céu,
E minha cabeça encontra repouso sobre teu peito.
Aconchegado assim, meu corpo se sabe pleno na circunferência de teu abraço.
Feito reflexo de lua azul no mar,
completudinalidades.
E com as pontas dos dedos ligo os sinais do teu corpo, uns aos outros, descobrindo constelações, batizando estrelas.
É que encontrei o caminho de casa
e não quero me perder nunca mais.
*
*
*
Cecília Braga

sexta-feira, junho 01, 2007

Prece

Que sou pessoa de fé, sabe. Criança que fui aprendeu pouco com sabatina da reza que bisavó minha bem tentava fazer quando raiava o dia ... que cedo logo eu já estava a postos na mesa:
- Bença, vó!
Com mão segura nas mãos dela e beijo de olhos fechados que é assim que se faz quando se tem sentimentos tantos no gesto. Era mão pequena de uma quentchura macia. E de carinhos muitos guardados ali. Mão que minha irmã herdou em igual conteúdo, forma, cor e calor.
-Deus te abençoe, minha filha!
Tudojuntoassim com o melhor-abraço-e-beijo-no-comecinho-dos-cabelos que eu ganhava e dizia:-Tô com fome.
Aí ouvivia o sorriso gostoso de quem bem sabia que sou pessoa que acordo com bastantes fomes. Era um sorrir canto-de-passarinho-amanhecendo-o-dia-ao-sol... amenizava fomes.
Esperava feliz um bucadinho, com olho comprido de quem pede. Ainda tinha a reza com todo mundo na mesa que bisavó minha bem fazia antes e depois de comer que era pra agradecer e pedir por quem tem fomes. E eu tinha pressa sim...proporcional ao apetite e queria era logo chegar no:- enomedopaidofilhodoespiritosantamém!
Ando é atropelando tudo desde pequena...bendita fome! Hoje queria era ter saboreado mais a entrega sincera na oração. Que é coisa que se diz com coração nas palavras e fé muita que é pra palavra pegar impulso e subir.
E meu modo de estar no mundo parece ser similar ao estar na mesa. Valha-me, Minha Nossa Sinhora!Carecendo de mastigar bem de-va-gar...aquelas tantas vezes antes de engolir que é hábito saudável. Reaprendendo, viu. Que sempre é tempo, Graças a Deus!
Estou de-ci-di-da e nem adianta essa manifestação mnemonica de minha bisavó dizendo: - eu tchô! Quando eu dizia que tinha aprendido a reza nova... dessa vez nem vou fugir com qualquer desculpa quando ela disser: -reza aí preu ver.
Vou é saborear tu-di-nho....até dissolver em meu ser cada coisa...e ser parte de mim. E ser plena de encontros.
Hoje eu rezo como vi vezes tantas minha bisavó rezar...numa quietude e silêncio mesmo no executar de suas tarefas, rezando a vida, comungando refeições, conversando como quem entoa um salmo. Ela enchia a casa de sacralidades. Ela mesma era casa...fortaleza e aconchego. Firme e doce. Os quatro elementos cintilando nos olhos. Guerreira.
E carece de ser assim quando sentimento se apodera do peito.
Que é um medo medonho.
Nessa manhã de chuva, -Aumentai a minha fé, Senhor. Em mim mesma.
Que ando desacreditada de minhas intuições.
E Porque faz frio.
E não tenho mais as mãos quentes de minha avó.
¨*¨

Cecília Braga

¨*¨
Prece e apreço meu também pra agradecer a Biel, menino-anjo, que fez casa minha lembrar o mar.

¨*¨

'Ouvindo Moon Over Bourbon Street, do Sting.

Sobre todos aqueles que continuam tentando,
Deus, derrama teu Sol mais luminoso.

Caio Fernando Abreu

O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima.
Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta. Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares.
Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.
Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins.
Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada'.