quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Cadère

Tinha medo de despelar depois do beijo. E de tudo mais que pode acontecer quando se tem o Alasca no estômago de um corpo em chamas. Por isso, prendia a respiração para sonhar. Subterfúgio. Sim, já que é tão difícil acordar com o coração na altura dos ouvidos. E saber que o corpo canta uma fé ancestral, batucandobatucandobatucando em peito aberto. O pensamento dançando em círculos ao-redor-de-um-nome. Flamejante. De tanto crê, um êxtase fechou-lhe os olhos. Ela acredita que o silêncio pode pigmentar os versos. E que uma saudade alonga as pernas das horas. Em vão. O tempo tem suas birras. Então, barganha: dedilha a noite inteira num livro, debruça em seus olhos sua alma que gorjeia para a escuridão passar e treme. Porque sua linguagem guarda cadência de nuvens: quando suspira, ele lhe pode ler. E quando pensa, já está entregue. Nos versos. Aí, engole a seco uma estrela. Só pra ter uma reminiscência luminosa. Ele já pesponta a bainha de todos os seus pensamentos, idos e vindos. Por temor, reza. Por amor, deseja. : Que o sol penetre os recantos da tarde até essa ausência pintar um poente, e em ventre tão celeste o orgasmo do sol respingue as primeiras estrelas. Pra ele chegar. E abrir os braços, inclinar ao céu seus pensamentos, elevar o corpo pelas pontas dos pés, deitar as pálpebras, suspirar, escrever com o corpo extasiado os melhores versos. Enquanto ela retoma o fôlego. Porque certas leituras lhe tiram o ar, e logo depois o sono.

Cecília Braga