domingo, março 30, 2008

Compulsão.

Persepolis - De: Vincent Paronnaud, Marjane Satrapi. A animação foi ainda premiada nos festivais de Cannes, São Paulo e Vancouver.
Into the Wild - Baseado em fatos reais e no livro Into the Wild, uma “biografia” de Christopher McCandless escrita por Jon Krakauer. Direção de Sean Penn.Vale pela direção, pela trama, pela trilha sonora, pela realidade que sustenta o drama. A trilha sonora, composta por Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, seu primeiro álbum solo. Bom por demais.
La Faute à Fidel! - Julie Gavras é filha do cineasta Costa Gavras e dirigiu e roteirizou o belíssimo “A Culpa é do Fidel”. Uma adaptação livre do romance Tutta Colpa di Fidel, da jornalista italiana Domitilla Calamai. De uma uma poesia cotidiana sem igual. Para re-pensar valores, ideias, afetos, a solidariedade, o comportamento de ovelha e a vida. Para aprender com os erros e se transformar. Ainda é tempo, sempre.
The Bucket List - Com: Jack Nicholson e Morgan Freeman. Uma das letras mais fabulosas do John Mayer, que canto feito prece, ainda mais que sou fã: Say.
Le Scaphandre et Le Papillon - Baseado na vida de Jean-Dominique Bauby.
"Por trás da cortina de pano roída pelas traças, uma claridade leitosa anuncia a aproximação da manhã. Doem-me os calcanhares, sinto a cabeça apertada num torno, e todo o meu corpo está encerrado numa espécie de escafandro. O meu quarto sai lentamente da penumbra. Observo pormenorizadamente as fotografias dos meus queridos, os desenhos das crianças, os cartazes, um pequeno ciclista de folha enviado por um camarada na véspera do Paris-Roubaix, e o cavalete que sustenta a cama onde estou incrustado há seis meses como um bernardo-eremita sobre o seu rochedo.Não preciso de reflectir durante longo tempo para saber onde me encontro e recordar-me de que a minha vida sofreu uma reviravolta naquela sexta-feira, dia 8 de Dezembro do ano passado. Até essa altura, nunca tinha ouvido falar do tronco cerebral. Naquele dia descobri abruptamente essa peça fundamental do nosso computador de bordo, passagem obrigatória entre o cérebro e os terminais nervosos, quando um acidente cardio-vascular me deixou o dito tronco fora do circuito. Antigamente chamava-se-lhe “ligação ao cérebro” e a sua falta provocava muito simplesmente a morte. O progresso das técnicas de reanimação tornou o castigo mais sofisticado. É possível escapar, mas mergulha-se naquilo que a medicina anglo-saxónica baptizou muito justamente com o nome de locked-in-syndrome: paralisado da cabeça aos pés, o paciente fica encerrado dentro de si próprio, com o espírito intacto e os batimentos da pálpebra esquerda como único meio de comunicação.Evidentemente, o principal interessado é o último a ser posto ao corrente dessas prerrogativas. Pela minha parte, tive direito a vinte dias de coma e algumas semanas de nevoeiro antes de me aperceber verdadeiramente da extensão dos danos. Só emergi verdadeiramente no fim de Janeiro, neste quarto 119 do Hospital Marítimo de Berck, onde agora penetram os alvores da madrugada.É uma manhã vulgar. As sete horas, o carrilhão da capela recomeça a pontuar a fuga do tempo, de quarto em quarto de hora. Após a trégua da noite, os meus brônquios obstruídos põem-se a roncar ruidosamente. Crispadas sobre o lençol amarelo, as minhas mãos incomodam-me, sem que consiga determinar se estão a arder ou geladas. Para lutar contra o anquilosamente, desencadeio um movimento reflexo de alongamento que faz mover os braços e as pernas alguns milímetros. Tanto basta, por vezes, para aliviar um membro dorido.O escafandro torna-se menos opressivo e o espírito pode vagabundear. como uma borboleta. Há tanta coisa a fazer. É possível elevar-me no espaço ou no tempo, partir a voar para a Terra do Fogo ou para a corte do rei Midas. É possível ir visitar a mulher amada, deslizar junto dela e acariciar o seu rosto, ainda adormecido. É possível construir castelos no ar, conquistar o Tosão de Ouro, descobrir a Atlântida, realizar os sonhos de criança e os sonhos de adulto.Basta de dispersão. É sobretudo necessário que eu componha o início deste diário de viagem imóvel, para estar pronto quando o enviado do meu editor vier recolher este ditado feito letra a letra. Na minha cabeça, mastigo dez vezes cada frase, corto uma palavra, acrescento um adjectivo, e decoro o meu texto, parágrafo a parágrafo.Sete e meia. A enfermeira de serviço interrompe o curso dos meus pensamentos. Segundo um ritual bem ensaiado, corre a cortina, verifica a traqueotomia e o gota-a-gota, e acende a televisão com vista à obtenção de informações. De momento, um desenho animado conta a história do sapo mais rápido do Oeste. E se eu formulasse o voto de ser transformado em sapo?"
Jean-Dominique Bauby - O escafandro e a borboleta, Livros do Brasil, 1999.
Bauby, + 9 de março de 1997.

Alguns filmes que mexeram na espinha dorsal dos meus significantes. Corre e assiste.


'O olho vê,
a lembrança revê
e a imaginação transvê'.
Manoel de Barros

sábado, março 29, 2008

Aranyani *


Entenda, nunca encontrei nenhum lugar, em mim, que caiba qualquer desconforto. Se visto a roupa mais leve, tiro as sandálias e canto - De profundis - é só por que o pensamento goteja. goteja. goteja. O Entendimento, se sabe, gosta de vias tortuosas. E intravenosas. Deito, e não durmo. Meu corpo parado desconhece o repouso. Duvido de Newton. Não rasgo as vestes. Acho agressivo esse gesto fariseu de demonstrar-se escandalizado. Escrevo, com letras cursivas, as palavras do profeta Oséias na terra molhada: Rasgai os vossos corações e não vossas vestes. Abro mão dos dentes, rasgo com unhas o peito. As palavras ganham mais vida assim: em vermelho escarlate. Acendo fogueiras. Na quadratura do círculo, na circunferência do quadrado. Três. Número cabalísco, criação. Lança de Netuno - aquele que rege o meu ascendente: peixes. Com três dedos: polegar, médio e indicador, a bênção. Santíssima Trindade. Da união de dois, todas as coisas. Verdade ancestral: quando se conta até três, tudo pode acontecer. Não duvido. E danço, em carne viva. Leio na nervura das frases o que tenho plantado. Deixo cair por terra o corpo e a face. Abro os braços para (a)colher. Homem Vitruviano. Mandala. O todo em movimento sem perder o centro. Sinto na pele a terra e suas origens. Arrepio. Um sopro de vida, nova - Ruah. A boca de Deus. Minhas narinas. É preciso não esquecer: ao pó voltarás, só pra fazer significar tudo até quando. Nunca perdi a pressa. Calma aparente, não de todo. Dentro, bem Quintana: 'Em mim, na minha alma, pressinto que vou ter um terremoto'. Mas encontro as docilidades de Deus nas coisas mais banais e tudo serena. Por tanto ansiar, temo. Não é resistência, é bicho ferido. Puro instinto. Se tu me tocar poderá ler em minha pele toda minha história, assim como se lê entre as estrelas os caminhos. Aceito, se me der a mão e caminhar vacilante comigo sobre as linhas de nossas vidas. Equilibrista. Lá em baixo, a teia do destino que o nosso cuidado trançar. Porque destino se faz assim: abre bem a palma da mão, inspira-se no que deseja, e desenha com pirógrafo. Se cair? Aproveita o voo. Ícaro. Se derreter? Melhor. Coloco um brinco de pavão na orelha esquerda.Sabedoria Indígena. Perto do perigo, aves se eriçam. Sei que o outro é sempre um outro. Já me olhei nos olhos até saber quem sou. Não espero completude, só cumplicidade. Aprendi a não esperar, mais. Nem desesperar, tanto.
Entenda, a vida tem me embalado de um jeito tão único que só encontrei meus passos com total entrega. Quando desando, sei bem o que quero...mas não sei se posso. Não quero licença para ser feliz. Não mais. Se preciso for, quero mostrar os dentes pelos meus direitos. E ter a ousadia de erguer a mão direita até a sua nuca. Perdi minha natureza selvagem em algum lugar, já encontro. Por isso as ausências. Mas minhas fomes sempre ditaram o meu ritmo e nenhuma palavra me brota dos dedos se não salivar na boca. Não deve estar longe, pois.Escrevo claro, no escuro. Emolduro um ou dois gemidos. Quando fecho os olhos uma estrela ascende o caminho. Vou, volto diversa. Gosto de velas, ritos antigos, incensos e ervas. Meu solo é místico e meu céu é de Vanilla. Entre o céu e a terra...Bem sabes. Suponho. Tenho as mãos estendidas, vem? E escreve, com a vida, a partitura da minha história.

Cecília Braga
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* Deusa Hindu: Aranyani, a deusa da floresta.

But what I'm thinking of just this time Why don't you...


Lay your head down, Keren Ann

(in my arms).

domingo, março 02, 2008

How often do you find the right person?

Once.

Vamo assistir, pessoas. Para perder menos tempo com joguinhos. Para vencer o medo. Para dizer o que tiver que ser dito, mas não em outro idioma. Por favor. Chega de tanto tentar salvar nossa pele. Já sabemos, ela alcançará seu fim. Salvemos nossa alma da ruína, desse excesso de gestos comedidos, do medo, da solidão.
Porque fugir é instintivo, e é biologicamente tão mais fácil e provável. Ficar é escolha.
Que haja amor e menos covardia nas nossas escolhas... Senhor, escutai as nossas preces. Amém.