quinta-feira, janeiro 22, 2009

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Recordar:
Do latim re-cordis tornar a passar pelo coracao.

A função da arte/1
Diego nao conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcancaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidao do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!

noite/1
Nao consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas
palpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

A noite/2
― Arranque-me, senhora, as roupas e as duvidas. Dispa-me, dispa-me.

A noite/3Eu adormeco as margens de uma mulher: eu adormeco as margens de um abismo.

Dizem as paredes/2Em Buenos Aires, na ponte da Boca: Todos prometem e ninguem cumpre.
Vote em ninguem.
Em Caracas, em tempos de crise, na entrada de um dos bairros mais
pobres:
Bem-vinda, classe media.
Em Bogota, pertinho da Universidade Nacional:
Deus vive.
Embaixo, com outra letra:
So por milagre.
E tambem em Bogota:
Proletarios de todos os paises, uni-vos!
Embaixo, com outra letra:
(Ultimo aviso.)

A desmemória/1
Estou lendo um romance de Louise Erdrich. A certa altura, um bisavo encontra seu bisneto. O bisavo esta completamente lele (seus pensamentos tem a cor da agua) e sorri com o mesmo beatifico sorriso de seu bisneto recem-nascido. O bisavo e feliz porque perdeu a memoria que tinha. O bisneto e feliz porque nao tem,
ainda, nenhuma memoria.
Eis aqui, penso, a felicidade perfeita. Nao a quero.

Celebração das contradições/l
Como tragica ladainha a memoria boba se repete. A memoria viva, porem, nasce a cada dia, porque ela vem do que foi e e contra o que foi. Auiheben era o verbo que Hegel preferia, entre todos os verbos do idioma alemao. Auiheben significa, ao mesmo tempo, conservar e anular; e assim presta homenagem a historia humana, que morrendo nasce e rompendo cria.

Celebração das contradições/2
Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo querendo revelar o real maravilhoso, e descubro o real maravilhoso no exato centro do real horroroso da America. Nestas terras, a cabeca do deus Eleggua leva a morte na nuca e a vida na cara. Cada promessa e uma ameaca; cada perda, um encontro. Dos medos nascem as coragens; e das duvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possivel e os delirios, outra razao.
Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade nao e uma peca de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa sintese das contradicoes nossas de cada dia.
Nessa fe, fugitiva, eu creio. Para mim, e a unica fe digna de confianca, porque e parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e a louca aventura de viver no mundo.

Os índios/4
Na ilha de Vancouver, conta Ruth Benedict, os indios celebravam torneios para medir a grandeza dos principes. Os rivais competiam destruindo seus bens. Atiravam ao fogo suas canoas, seu azeite de peixe e suas ovas de salmao; e do alto de um promontorio jogavam no mar suas mantas e vasilhas. Vencia o que se despojava de tudo.

A televisão /4
Rosa Maria Mateo, uma das figuras mais populares da televisao espanhola, me contou essa historia. Uma mulher tinha escrito uma carta para ela, de algum lugarzinho perdido, pedindo que por favor contasse a verdade:
— Quando eu olho para a senhora, a senhora esta olhando para mim?
Rosa Maria me contou, e disse que nao sabia o que responder.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

é.

Emily Loizeau - 'Je Suis Jalouse'