quarta-feira, abril 25, 2007

En - carnado

Sentimento queimando em meu peito aberto
feito rosa desabotoando ao sol,
Quando os ponteiros se unem para cortar o dia ao meio.
A pele em ebulição alaga os poros.
Água e Sal. Suor. Lágrimas. E mar.
Os pêlos eriçados, cedem.
Como coqueiro que reverencia a majestade do vento.
Dobra-se ao seu querer.
Meu corpo em atividade sismica.
Ab imo Pectore: Ferve.
In: Tudo é magma.
Essas palavras arrebatadas,
Sarsa ardente que queima sem consumir,
Lanço todas sobre o papel...
Só enquanto não posso escrever-escarlate sobre tua pele a minha geologia.
Vem e resfria as palavras no teu toque.
Cristaliza-as... magma frio, rochas ígneas.
Alicerce.
Tua mão na minha, selo...
E a gente feito criança desenhando nossa história nas pedras.
Assim: com a vida em punho.
hieróglifo encarnado.
Rouge.


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Cecília Braga


***...***...***
Ao som de Vitor Ramil ....

Longe de Você


Tô vivendo em outra dimensão
Longe de você
Habitando o fundo de um vulcão
que eu domestiquei
Todo dia deixo o sol entrar
mas a luz não vem
A janela em mim é tão brutal
Causa esse desdém
Meu relógio em outra dimensão
corre de você
Solto o pensamento num tufão
Finjo que bem sei
Todo dia o dia quer passar
mas o fim não vem
A espera é sempre tão brutal
Tudo se mantém
Acredito em outra dimensão
Longe de você
Lava, fogo, cinzas, solidão
Já me acostumei
Todo dia posso te encontrar
mas você não vem
O deserto em volta é tão brutal
Sempre te detém
Sempre te detém
Sempre te detém
Sempre te detém





quarta-feira, abril 18, 2007

Catarse


Aqui é lugar habitado por tua ausência, ar denso de saudade povoando de neblina o vazio. Difícil respirar. Meu choro obstruído no peito. Meus pensamentos insones. E as palavras chorando na ponta do lápis...
A morte petrifica quem vai e imobiliza quem fica. Mesmo quando a razão teve tempo de doutrinar o coração, ressaltando os sinais que se desenham nos gestos, na pele, no olhar, no gemido e no cansaço. Os olhos atestam a vida desistindo.


Coração amiudando no peito, inda mais quando seu corpo enchia meus braços e soluçava a dor de quem se sabe indo sem querer partir.


Ah, minha ... e você nos fazendo sorrir um riso molhado de tantas lágrimas. Brincando com o que mais lhe doía. Transcendendo. Tirando dos menores gestos o fantástico da vida, feito criança. Ainda vejo teus pés brincando na água do banho. Teu sorrir com o corpo inteiro. Teu senso de humor fantástico. Teus olhos vivos e atentos. Tua lucidez.


Era quinta-feira maior mas não haveria a última ceia, o partir o pão e nem o lava pés. E não haverá mais a tua comida na mesa.


Melhor comida não há...


E tinha toda uma distância para percorrer porque teu corpo queria descansar em tua terra, junto aos teus pais. Teu caixão, o cheiro forte de formol, e o moço da funerária me explicando que os vidros abertos...vento na estrada... ía melhorando...E eu olhando pra ele, enquanto colocava o cinto, sem nada dizer, aceitando com olhar. Anestesiada. Queria era recostar a cabeça no banco, deixar meu olhar se perder nas paisagens e lembrar que o movimento da vida é esse: passar. E-ternizando instantes.


O tudo que pensamos materializar: pó.


Re-fazer viagem de tantas anos, evocando lembranças, muitas. Vivas. Latejando no peito. Meu silêncio irrigado, moço vez em quando interrompia...queria saber: idade, o que foi que houve e se era minha mãe. O dia quente. Meus olhos transpirando. Pensamento perdeu as rédeas e ía sertão adentro. Lembrava meu avô, sua mão áspera nas minhas, sua única frase dita entre tantos soluços:- estou chopado, chopado, chopado minha filha. E pedindo pra Senhor do Bonfim conceder a graça dele ir com ela... e tanta dor no meu peito.


Dia se arrastou noite adentro. Lua cheia. Frio de desamparo de quem perde companhia de 56 anos e não haveria e não haverá abraço que aqueça. Frio de corpo sem vida no meio do salão.


Meus olhos pousavam vez em quando nos olhos do meu pai. Olhar mais transparente não há.De um castanho cristalino. Toda dor manifesta.


Sol nascendo. Sexta-feira da Paixão. Mãos dadas, família em prece. Os filhos segurando firme a alça do caixão, mas não o choro.


Estrada de chão. Riachos. Cascalhos. Serras. Verde. Verde. Água correndo no silêncio da mata. Lugar onde teu corpo se re-integra ao todo.


É que ela se foi assim, feito criança que adormece em qualquer canto da casa esperando Pai chegar e carregá-la no colo até a cama.


Adormeceu.


Descansa em paz, minha avó.




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Cecília Braga






..............& EM MEMÓRIA DE LILIAN




Mais que linda: Viva, tensa,confusa. Lilian Lemmertzera meio rainha. E nobre.Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Por que nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo “clima”, certa “preparação”. Certa “grandeza”.Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo “eterno”) cotidiano. A morte de alguém conhecido ou/e amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Por que o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.Como amor e morte não se separam – feito quem diz “era uma vez”, conto: na tarde de sábado, estava eu assustadamente dentro do amor (eu não acreditava mais que o amor existisse, e a vida desmentia) quando o telefone tocou. Do outro lado, alguém me deu a notícia da morte de Lilian Lemmertz. E eu também não acreditava mais que a morte existisse, naquele ou neste momento, quando preciso me embriagar um pouco com urgências de vida porque se considerar a cada minuto a possibilidade da morte – então paro imediatamente de viver. Fico de olhos arregalados, imóvel, à espera do poço previsto.Como quem muda um canal de televisão, continuei vivo. Pra rebater a morte, fui ver o show de vida de Elza Soares. E bebi e fumei e conversei e amei mais e mais ainda. Mas dentro de qualquer movimento, a morte de Lilian. E dei pra lembrar de uma única conversa nossa, quando ela fazia Esperando Godot, e fui entrevistá-la. Falamos uma tarde inteira. Ela era mais que linda. Era viva, sarcástica, tensa, confusa. Meio desmedida. E rainha.Lilian era nobre. Eu pensava em atrizes, enumerava: Marília Pera, Fernanda Montenegro. E Lilian Lemmertz, com aquela raça, aquele porte, a boca inesperadamente frágil e amarga, desmentindo o brilho às vezes frio dos olhos. Um certo ar de Jeanne Moreau, e ninguém como ela. Que nem chegou a ter seu grande papel, sua Fedra, sua Petra, Seu Pixote, sua hora de estrela. Brilhante, mas, ao fundo, aquele ar de humanidade despedaçada que Marília também suporta. Ouvir Lilian falando era ficar arrepiado, olhos cheios de lágrimas: o humano excessivo aterroriza e maravilha. Igual à morte e ao amor.Guardo Lilian na memória não como a professora de Lição de Amor, a bêbada de Caixa de Sombras ou a dona-de-casa de Baila Comigo – escolho guardá-la metida na pele de um dos vagabundos de Samuel Beckett. Barriga falsa, suspensórios, calças pelo meio da canela, chapéu-coco. Meio clown, esperando por Godot. Que chegou, afinal. Lilian estava sozinha. Ele a levou consigo. Terá sido frio seu súbito abraço? Quem sabe não.Agora, no fim da noite de domingo, longe do colo morno do amor, a morte visita o apartamento e fico pensando em como recuperar minha imortalidade após este próximo ponto final. Preciso dela, amanhã de manhã. Quando o mundo continuará igual. Só que sem Lilian. E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo. Mais incompreensível, e menos nobre.




Caio Fernando Abreu




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'Sometimes late at night
I lie awake and watch her sleeping

Shes lost in peaceful dreams

So I turn out the lights and lay

there in the dark

And the thought crosses my min

If I never wake up in the morning

Would she ever doubt the way I feel

About her in my heart

If tomorrow never comes

Will she know how much I loved her

Did I try in every way to show her every day

That shes my only one

And if my time on earth were through

And she must face the world without me

Is the love I gave her in the past

Gonna be enough to last

If tomorrow never comes

cause Ive lost loved ones in my life

Who never knew how much I loved them

Now I live with the regret

That my true feelings for them never were revealed

So I made a promise to myself

To say each day how much she means to me

And avoid that circumstance

Where theres no second chance to tell her how I feel

So tell that someone that you loveJust what youre thinking of

If tomorrow never comes´.










sábado, abril 14, 2007

Un(i) - Verso


Minha escrita hoje, devanegari... escrita dos deuses.
Repousa minha mão sobre o peito aberto, auscultando meus suspiros.
Minha caneta de pé, firme, ligeiramente inclinada para frente...reza.
Escolha ritualística das palavras, evocando a sacralidade dos símbolos.
Credo só se professa na ação. Estou me espiritualizando.
Meu escrever é tântrico, instrumento de expansão e desejo latente de te alcançar.
Possibilidade una de te interpenetrar de diversas maneiras.
Teu ser quero Yantra, mapa de experiência transcendente. universo no universo.
Big Bang.
Nosso encontro... sigízio, conjunção do sol com a lua, aqui dentro, maré-viva.
Teu nome repito feito mantra.
Fecho os olhos. Deixo vibrar em mim.
Dhyanas... visualizações.
Linha de divisa, agora é fio dourado.
Estou en-novelando distâncias.
Esse dia, tear.
Toda impossibilidade...urdidura, esses fios paralelos e rígidos por onde meu ser flui, maleável feito trama. Estou tecendo encontro.
Escrita bíblica, tudo que importa se encontra velado. E profética.
Meu escrever é desejo de en-trelaçar as nossas mãos e nossas almas.
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Cecília Braga

quarta-feira, abril 04, 2007

OM MANI PADME HUM

Corpo sacralizado no gesto que a alma modelou.
Sem pressa.
Só essa tranquilidade interior é que tem suavizado meus dias. De intensas cores.
Meu corpo cede aos apelos de paz hasteado em meu lençol e se encolhe inteiro, ninho...
Ω
Corpo - vitrine. Alma exposta.
Silêncio reverenciando o milagre da vida, germina. Serenidade de quem se gesta. Corpo que se dobra desejando ser abrigo, proteção...esquece sua fragilidade, pensa ser frágil o que o anima. Mas não é.
O que me dói serena os olhos e orvalha a face. Estou amanhecendo.
Minha alma aspirando o alfa, espaço de re-criação, princípio.
No peito ressoa os desejos...
Minha intensidade evocando o azul.
Descobri que tenho o coração pulsando e-ternidades.

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Cecília Braga