segunda-feira, novembro 26, 2007

Braile



Tenho os sentimentos acostumados à largura de tuas ancas. Querências me chegam com fartura e calor. Quando alguém planta um olhar no meu, e só sei cultivar com fé e esperança, logo logo vislumbro os frutos. Nutro o que há de melhor em mim...e por vezes, feito hoje, contemplo minha paisagem devastada. Mas, tenho aprendido a fechar os olhos, em meio a multidão, e dançar no meu ritmo, pra mim. Viver me desacomoda.
Nada sobrevive exposto demais ao sol... vai se exaurindo em ardências, exausto...ressequido.

Aprendi a me refazer em teus braços. Em dias assim, ainda me sinto retardar os passos só pra conter o choro. Até te alcançar. Eu só sabia me deixar doer em teus braços. Ía inspirando rápido e profundamente como quem teme o escapar da vida num soluço. Depois, nem temia mais. Soluçava doído. De quando em quando, parece tão impossível continuar a viver. Aí, um desejo de árvore rompe o asfalto.
Deitar no teu colo era pairar os pensamentos. Nos meus cabelos moram a saudade do encanto dos teus dedos. Teu carinho contava histórias... Pra escutar com a pele é preciso fechar os olhos. Dos teus dedos, ouvi:

- Feridas na epiderme da alma deturpam os sentidos.
- O choro é pro coração devastado não conhecer desertos.
- O pensamento fecunda o ar e gesta palavras. O falar tem legitimidade de filho e desejo de vôo.
- Cada palavra ganha significado na boca.
- O tempo vai mudando a palavra por dentro, o amanhecer a cada dia faz seu significado.
- Toda impressão traz muitas digitais.

Uma lágrima com suavidade reaviva na pele teu toque. O que tem de fundo em mim, bem sei, bebi do teu olhar. Hoje, me recolho. Contraio o corpo e perco a pressa. Não quero aguardar mais por quem se demora uma vida inteira em frente ao espelho. Estou em reformas. Mantenho as colunas, derrubo as paredes, me desfaço de tudo. Não gosto de me segurar no que sobrou. Não alimento minhas mendicâncias. Tudo que sobra, ainda assim, é falta.

Gosto das perdas que me tiram tudo. Pra sentar em mim, olhar ao redor, e ficar. Até redescobrir em mim força e possibilidades de recomeçar. Tudo que vivi já me ampliou os vãos de dentro, e tanto, que me sinto tão menor em mim. Mas, com espaços para crescer. Silencio. Tudo que quero dizer está na ponta dos dedos.
Cecília Braga

sexta-feira, novembro 16, 2007

In un Baleno (Num piscar de olhos).





Todo meu descanso é no azul, e só. As minhas pernas se estiram nos horizontes.
Meu andar é na entrelinha, céu-mar.
Por espanto, eu sabia: caminhar é só uma questão de me sentir mais à vontade com meus desequilíbrios.
Prossigo, mesmo sendo corda-bamba.
Vezenquando, uma pomba corta rasante os pensamentos.
Dos deslumbres: as idéias ficam suspensas... Em teima de vôo. Em deleite de mergulho.
Nem um suspiro me aquieta mesmo quando, de tão alto, inalo nuvens.
Tenho esse vento frio na altura do estômago,
coração apertando, o corpo trêmulo... Chuva guardada. Deve ser.
Tem coisas que se pensando, logo concretizam...
O tempo não tardou a se fechar nos olhos,
tanto pensamento de medo, trovejando.O corpo fazendo calafrios.
Dessas coisas que vêm junto com febres. Avisos e alertas.
Chorei logo um mar inteiro. Pra mudar essa paisagem de deserto.
E porque não sei ser aos pouquinhos.
O jeito foi pegar cajado e intimidades de Moisés com Deus, e caminhar mar adentro.
Pra espalmar minhas mãos de angústia no azul. Como quem se ampara, e evita quedas.
(Dos segredos: Deus gosta de engabelar o espaço: Amarra a linha do tempo nos dedos, faz ioiô do sol:
diiiiaaaaaa-noiiiiiteeeee, diiiiiaaaaa-noiiiiiteeeee...).
Aí era tarde, tinha caído já...essa coisa de espaço, só não sabia. Ainda não.Só com o tempo...
Sabendo de mim, ele sorriu. Encostou também sua destra no azul, que de angústia ele bem entende.
Dos fatos: Tínhamos tantas cores de sentimentos nas mãos, misturadas,
que rasuramos melancolicamente o azul. Pintamos um pôr-do-sol...
Das sacralidades.E são tantas.
Deus é menino. E tem todas as idades...Das lições.
Fechei os olhos em prece, só pra ascender por dentro essa noite.
Um mantra desenha o movimento dos ventos. E o cabelos cantam.
Sento entrenuances, ritualisticamente sansei. (como quando algo me revela).
O peito entregue, cede. E sinto o coração estremecer entre joelhos.
(Desses instantes em que os sentimentos nos tiram as firmezas, e a gente se dobra).
E me penso...(por que há dias que quero ser tão outra...logo passa).
Das manias: só sei me dissolver no instante, extática.
Sendo parte, construir possibilidades de me saber inteira.
Das posses: sou dona de todo um desajustamento, muitas instabilidades e de um querer-com-todo-ser.
Das aprendizagens, ou das possibilidades de.
:Querer-colocar-o-outro-na-medida-da-expectativa viola os direitos dos deslimites do ser.
E distancia o amor.
Das dificuldades: pelejar com minhas carências, e suas manias de grandezas.
O tãopouco parece demaisdaconta. E a pessoa aqui, padece. Mingua, por escolha.
Das constatações: essência tem dimensões, em número de 10 (é universo quântico), e intensidades.
De quase todas minhas impossiblidades: acorrentar um gesto, dissimular um querer, sufocar uma palavra,
pôr limites na entrega, viver raso e me fingir feliz.
Do que por si só, não adianta: O atrito de corpos.
Mesmo que tenham a ancestralidade guardada de quem re-descobre o fogo.
É preciso tão mais para me aquecer.
Das entregas: só conheço a que se inflama na fé. Daniel nas labaredas de fogo.
Na boca, o canto...glórias, aleluias, jubilos.
Ameninando medos, lamentações, dores e dissabores.
Só assim as feridas não me lesam. E as cicatrizes me desenham inteira.
Das seduções: as naturalidades.
Das esperas: a sua, porquê ando cansada...
Meu corpo quer se propagar no seu, inscrever meu movimento que é de permanências. Quero dispor da vida que ainda me resta pra te apreender, sem jamais te saber conhecido. Vem, que tenho um universo em mim a ser explorado... e têm me pedido tão pouco, que por vezes esqueço. Deita tua racionalidade nos meus braços, que a música em mim tem ritmo hindu. O tempo se conta no piscar dos olhos, na batida do coração. Vem, que meus olhos nos seus tem duração de presença. E fica. Pra minha poesia ganhar vida em teu corpo.
*
*
*
Cecília Braga


12 meses de.
(De quando as palavras não alcançam).
Dos desejos: todos soprados ao vento...
Das preces: todas que vocês quiserem tecer.
Amém.

 
'é tempo de me fazer, eu sei'.
Caio Fernando Abreu.


sexta-feira, outubro 19, 2007

Aguapé-Assú


Ela minhocava a planta dos pés na areia como quem areja as sustentações das idéias...Um esbocejar de raízes. Tirar um deste-tanto de si, multimorfosear-se pelas ausências. Acrescenando-se de si, nos idos e findos, e em todos os vindos. Bem em prol de finiciar. a si? Vida que dorme no morrer da semente, aguarda o último suspiro, sopro de vida, pra respirar.



Desandou, coitada, com tantas inrespostabilidades. Pois, aquele des-sentir lá no longe, ela teimaniava de apelichamar de Saudade. Maiúsculas letricidades iniciáticas, batismo de cartório, só pra lavrar a propriedade do nome. Danou, então, a deitar distâncias na voz. Botou astúcia de arco nas cordas vocais. Mirou no querer-sem-fim. Diafragma é coxia. Ar montado nos horizontes. Largou. Voz pareia com o vento. E dispara. Pra nunca mais se alcançar.
E ela queria era trazer pra perto, no grito, o que não havia mais.


Deu, nos depois, pra contar as demoras bem miudinho.: - antes do segundo vem o quê?
Queria desatingir-se no anti-tempo. Descontava-se nas somas. Perdia-se. Das agonias do que não chega.
: - mas será o Maledito? Era nada.
Era Nãodito.
Das suspresas no caminho.
Suspirava descontentamentos. : -É vem.
O bafo-de-guardados lhe anunciava...Pois, tantos anteriormentes mofando na boca.
Se não bastasse, ainda tinha esse mormaço das idéias lhe esquentando o juízo, requentando os aperreamentos aflitivos das esperas.
: -É tempo de desterro, só pode.
E nem era.
: -Valei-me, Minha Nossa Senhora.


E não era que ele nunca tendo vindo, e nem ido... não sabia ela, agora, como ele facultava ficar-ir-vir, tudo ao mesmo tempo, sem se filiar ao tempo, mas dele sendo capaz de se engravidar até insandescer ou encaramujar-se?
No silêncio do que não se diz, habitam tantas vozes.
: -Agora foi que deu.
Ela tinha uma voz dentro da negativa da sua.
Resolveu então abrir a boca.
bem bem.
Estendeu a pontinha vermelha e saiu a desenrolar essa angústia vermelha do peito.
Queria lhe fazer desonras, deixar esse sujeito Nãodito passar dos de fora pros de dentro.
Em tapete vermelho.
: -Caminhe.
E ele foi trotando.
:-Deixe estar, nos de dentro é jejum prolongado...Daqueles de quando o corpo já não tendo do que se nutrir, auto-fagia.
: -Nãodito, tu palpitando assim, dos de fora até os de dentro, pega logo é cor e frequência cardíaca. Fa-ta-li-da-de-cer-ta. Nem é agouro. É planejamento estratégico.
Autofágicossassinado, coitado. Morreu Nãodito. Nem a-deus pronunciou. Mas, desgra..dou-se parcialmente. Explico. Confusequiparado foi. Por muito parecer com os músculos cardíacos. Aí, digestão de si acaba é nunca....dá logo nos nervos.
Ficou só um resto imortal de um sem-sentido.Desmembro fantasma.
Doi, por vezes. Um quase nada, agudo.
Dos tempos, ninguém sabe o quanto ela já se descontou.
Toda soma aqui, subtrai.
O tempo dela tava parado lá, antes do zero. E também cá.
Fomes acrescidas de dias negativos... (= ansiedade) ficam logo rechonchudas.
Espaçosamente redondas no peito.
Tudo tudo dando voltas...ela no mesmo lugar.


De súbita prece, ela olhou pra cima. Lá onde todo olho se dirige aflito caçando paz...pra só ter o trabalho de piscar e a paz despencar nos braços, to-da-derretida. Mas, veja só, Paz que nem é besta, só demorada nas quietudes, tá bem meninada nos braços de Deus, em rede tecida de nuvens-ao-sol. O canto da Paz morre nos braços da agonia e ganha tom solene em tempos de guerra. Quem a quer possuir, carece de si ter, primeiramente, até alcançar incompreensões do quanto deve segurar, com afinco, de si e o quanto deve deixar apassarinhar-se e voar, despreendido. E depois deve saber que nem o que segura e o que deixa ir é seu. E ser de si, sem se ter.
Desapegada. Seria capaz?


: -Vixe, vixe. Volta pessoa, volta.
Porque é tudo tão nos interiores invisíveis de dentro dos de dentro... só em atos se professa...o quê? uma credulidade cienfatídica? Uma incredulidade visível de si? Uma credulidade nos invisíveis que ela vê?. : -Cada um, cada coisa. Vai saber.


Coração começou foi a se desaninhar no peito, só pra reclamar da insegurança dessesditamor. Ela desacomodava-se com incomodaquicionices, criadas ou não.
Ela sentia mesmo era saudade desse tempo que desconhecia...de quando as pessoas desusavam band-aid como motivos para inesquecer. Curativelopes, lembresquecedores. Tudo instruído lá no machucado, acobertadamente. O que deve, e até onde. E o que não.


Corpo-tablóide. Burocrontros...Fábricas de jornais. Um passando pelo outro, atrito. Não fosse a desumanidade umedecendo o ar, fogo.
Artíficio.
Estouro de encher páginas.
Vazio pós-Reveillon, no desamanhecer do novo.
:- E eu, que não tenho pudor de intimidades, desfaço o quê dessa alma exposta na superfície de mim, feito vitória-régia?


Leitura de curativos e jornais,
você lê?
: - Issaí, não.
Bem pudera...




*
*
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Cecília Braga

quinta-feira, setembro 20, 2007

Amar-elo

Ela suspirou.
Queria que a palavra presa no peito deslizasse no papel,
feito sua mão na dele...
Porque seu corpo não conseguia tocar sozinho no êxtase.
E por mais que as vontades todas , premeditadamente, se ericem nas mãos, ela sabia.
Todo extremo abriga a possibilidade de escape e de entrega.
Foi com assombro e júbilo que sua mão encontrou a dele,
E fechou os olhos enquanto entrelaçavam-se os dedos, tecendo uma prece.
Depois abriu. Como quem resiste.
Mas ele foi lhe despindo as palavras até que ela atingisse sua in-civilização.
Agora ela só encontra abrigo no que lhe desestrutura.
Deixa então as mãos dele passear no seu corpo,
Remetendo-lhe ao principio de todas as coisas,
Era como se o universo se originasse ali, naquele encontro.
Assim se fez, pois.
Ela lhe arranhava coloridos neóns,
De tanta poeira intergaláctica abrigada nas suas unhas.
Só para depois enluvar as mãos de nuvens, percorrer as marcas,
E ter um céu todo seu, co-lo-ri-do.
Quando ela disse: - Deix'eu te aprender?

Já era dona de infinitas certezas, ele universo inteiro em expansão.
Mas ela só queria mesmo era ser única moça a habitar naquela estrela feita de grafite azul no lado esquerdo do peito dele.
Disse tudo assim, desexplicado e dumavez. Pois o que ela gostava era de ver a confusão acentuando a intensidade do olhar dele, nela. A tal ponto que sem dizer, consiga lhe interrogar:
- Estrela ?

Sim, sim. Ela tinha essa ansiedade infantil e tudo que queria era contar logo. E contou:

- A estrela que tá guardada aqui ó, nessa aquarela... que vou te desenhar aí, no peito.
É que pensei que podíamos começar pintando nossas paredes...
Só para colorinhecer tudo que nos sustenta e protege.

Tu deixa?

~
Cecília Braga

domingo, setembro 02, 2007

Ao som de ...

Fototropismo

Do desencontro aos seus anteriormentes era tanto remendo de palavras, que descarece de se ter olhar de moça prendada para diagnosticar que sendo tudo feito e posto de demasiados restos e sobras, jamais haveria de se configurar ali um cobertor.
Era um acobertador de vazios, e só.
Para atingir imobilidades se precipitou toda no instante. Sim. Dentro, ela era casa em chamas sem emergenciar saídas.
As coisas eram que lhe ocorriam por dentro numa urgência, um desespero de quase-vida.
Quantas despalavras bocejam o olhar no espreguiçar das retinas?
Todo silêncio petrificado na indiferença dos olhos, medida exata de quebra-mar.
O corpo produzindo mormaços. Cinzas e vermelhos esfumaçam o mundo.
Nos ventaminhos de dentro, silencionava.
Até chegar a esculpir o tempo na beira dos olhos.
Tudo in, brisareiando as vistas.
As pálpebras insandescem para atingir desmaios.
Lágrima pegou as redondezas do mundo, no prenúncio de horas de nascimentos, rompe-lhe a bolsa, chora paz.
Ela es-cor-re.
Arlívido.
Gotejo de azul no só-riso, tão ressecado de ausências.
Tem desgosto e sal na fenda dos lábios.
Tão dentro de si, bebeu o mar.
Se ele sentasse na beira de mim, diante de si, encanto de maré.
Arestou esse incômodo do que não é,
E em fúria de ressaca, fechou-lhe nas mãos.
Ofício de ostra: o estranho em mim, principia pérolas..
Tudo agora é gozo de terra abraçando semente,
Êxtase orgástico de quem aperta em si um outro , já tão seu, como se lhe gerasse.
Tentativa vã de entranhar instantes,
Pois eles me nascem.
~
Cecília Braga

sábado, agosto 04, 2007

~ Azo ~

Pediu a mão da moça.
Afoita, entregou-lhe na palma da mão aberta a vida exposta.
Ele então elipsou com afinco um ponto-final.
Posto assim com redondas certezas na enlinhada vida retratada em sua mão, era planeta fotografado em plena órbita.
Transubstanciada, sentiu a gravidade apegar-lhe aos pés,
transtornada giz, era matéria-prima dos seus descaminhos,
Estrela-cadente rasudourando a noite com seu despedido.
Virou partícula.
Tão deduzida de si, parecia querer habitar o mundo que ele lhe deitou nas mãos.
A visão dele lhe crescia as vistas,
Carecia de lhe acompanhar tamanho,
Agigantado tanto quanto lhe deformava as expectativas, que eram tão dela.
É que ele lhe caminhava.
De agora a partir, só por dentro.
Esforçou-se então, trouxe à boca o nome dele num suspiro.
De parto contrariado quis que ele lhe nascesse feito palavra,
Vislumbrando o mundo pela boca.
Fez, sem pressa, do braço alavanca e levou o mundo à boca,
Porque nunca lhe quis nas mãos, soprou.
Menino-rei em seu planeta azul caneta-bic,
bola de sabão nos braços do vento.
Desapercebida de si, era pozinho de moça.
Atingira os princípios da raça.
A Destra de Deus lhe recriava.

Sorriu.

Na sua alma de criança tudo era também recreação.

*
* *
Cecília Braga

terça-feira, julho 31, 2007

Plim, Plim.

*
Mia Geodésica me indicou ao prêmio Blog Cinco Estrelas.
\o/
Agradecida ao Rafa pelo gesto sincero.

E tô um tanto avexada que é preciso indicar 5 casas, e gosto de tantas gentes.

Regrinhas todas lá, no Nada Pra Mim

Escolho estes aqui ó:

Garatuja (Casa dela que é Girassol pra mim).

Câmera Crônica (Do moço das palavras mais bonitas).

Corra, Gu, Corra (Um chucrute de moço que sou fã - Nem sei se pode ser fotolog. Tento).

Serendipities (Que alma dela dança linda lá, precisa de vê).

Doida de Marluquices (Casa de Airumã).

Gentes que leio faz tempo.

E é difícil isso viu, deixar pessoas de fora.
Todos que partilham comigo do meu espaço são constelações.

beijos na alma.

segunda-feira, julho 23, 2007

Timing


Cafuneava a cabeleira do tempo, meninando as horas.
Toda leveza d'alma enluvada no toque percorria a lisura dos ontens,
escorregando pelos fios dos dias, até abismar lembranças.
O tempo entregue em seu colo lhe adormecia.
Com a outra mão escorava a fronte fatigada,
feito mão de Deus misericordiando idéias,
tudo dentro espreitava em ordem de batalha.
Em mim, campo de guerra... minado.
Fora, o tempo faz ninho em meu colo e canta futuros.
E eu me passarinho.
Principio sonhosas viagens.
Remendo um retalho de sonho no outro, acobertando a pele de esperança.
Quem sabe assim no desvão de mim costuro-me inteira?
O tempo sabedoroso e artimanhoso, que é 'velho e menino', sorri.
Um corpo só se pretende inteiro em amorosos braços...
Pensamento então danou a desbravar caminhos que tinham sina de rio.
Queria desaguar nos teus braços.
E lá encontrar porto.
Meu olhar pousa nos olhos vazios deste dia, sem pestanejar palavra.
Sacralidade de quem diante de sublimosas coisas, infinita-se.
Essa despresença minha é toda tua.
Minha palavra, em minhas ardências, incenso.
Talvez saiba te dizer o vento que é minha querência degustar do teu sorriso,
até que tua alegria seja meu sustento.
*
*
*
Cecília Braga

quinta-feira, julho 05, 2007

In


Como era de costume, padecia de dúvidas ansiosas.
Dos questionamentos tantos que povoavam sua mente, carecia desfrizá-los todos.
Desencaracolar as interrogações e deixar a lisura da certeza exclamar os passos.
Que não ousava dar.
Cansou e descansou os quereres, enrolando o corpo, já sem firmes propósitos, como se desesqueletizasse a vida.
Só um suspirar de ausências povoava as tardes, embaçando a noite. Carecia de lacrialmejar estrelas para alcançar visão.
Por hora, fechava os olhos para se enxergar por dentro.
A noite transpirava exausta de arrastar demasiadas esperas. O céu chorava calores sublimados.
Na pele da manhã orvalhava serenos. À luz do novo dia, ela soluçava agudos nascimentos.
Recém-nascida de si. Amamentava-se.
De tantos apetites que suscitavam as mudanças, começou a gofar vazios. Minusculou-se.
É, pois, toda ilha vista de verticais lonjuras. Ausentava-se.
Vagou o olhar no horizonte, e já percorria com os dedos sua vasta linha, apagando ilusionosos traçados.
Desconhecedora de princípios. E fins. Nela, e para ela, uma coisa gesta a outra. Infinitamente.
Havia graça na maré debochosa, arremeçando na praia antigas-idades e sonhos.
Tudo está insuficientemente enterrado, não importavam tempos e profundidades.
Sofria de paz quando olhava em seus próprios olhos.
Em tudo, ponte para o agora.
Antes e depois, descabia.
É, no agora, uma porção de perguntas cercada de um mar de silêncios. Ilhava-se.
Quis ser inteira em tudo. No mar, diluía-se.
Pôde enfim, ser silêncio de búzios. Sua voz diz de proximidades.
E o mar, tomando-a em si, suscitava reflexões azuis.
Mas seu corpo acariciado de ventos, quis se misturar à areia. Ampulhetava-se.
Só o toque guardado nas mãos dele, faria o tempo parar e disparar e-ternidades.
No gesto que ele ainda não ousou, cabia todas as respostas. E inimaginava como, por ser gesto tão pequeno.
Aceitava os mistérios. Não era mais a criança agostiniana. Não queria fazer o mar caber num buraquinho de areia, carregando-o em balde.
Ela se misturava à areia, queria se igualar à terra, só os solos poderiam guardar a distância dos passos...
Que ela já não sabia se ele desejaria dar.

: -
Cecília Braga

segunda-feira, junho 25, 2007

Para ele, que ainda vai chegar.


Bem que ele podia chegar e desenhar sonhos na minha pele.
É que meu corpo quer ser para ele segurança e liberdade,
Para quê de todos os lugares que ele pudesse estar,
só sentisse pertencer a um,
E ali escolhesse ficar.
Aconchegar o corpo sobre o meu,
só pra partilhar dos sonhos que projetou em mim,
Tão nossos.
E por vezes o tempo parasse, assim:
Meus dedos desenhando caminhos nas tuas costas,
Minhas mãos perdidas no castanho de teus cabelos.
Nossos olhos traríamos fechados,
porque o céu vai acastanhando é dentro,
luz do mel ao sol.
A alma agradecida e agraciada.
Reluz.
Enquanto tua barba-por-fazer ara minha pele,
E tua boca de ventos úmidos e quentes muda a direção dos meus pêlos,
Arraigados em tantos arrepios.
Tua respiração pontua frases, de íntimas levezas, poeirinha de estrela,
que sem caber na voz, acende o olhar.
Das ancestrais sedes que trazes,
meus lábios, fonte.
Tua boca bebendo na minha o frescor da minha linguagem.
Já tão tua.
Os corpos banhados de mar.
Meu olhar se pondo no seu.
A noite pousa suave sobre o céu,
E minha cabeça encontra repouso sobre teu peito.
Aconchegado assim, meu corpo se sabe pleno na circunferência de teu abraço.
Feito reflexo de lua azul no mar,
completudinalidades.
E com as pontas dos dedos ligo os sinais do teu corpo, uns aos outros, descobrindo constelações, batizando estrelas.
É que encontrei o caminho de casa
e não quero me perder nunca mais.
*
*
*
Cecília Braga

sexta-feira, junho 01, 2007

Prece

Que sou pessoa de fé, sabe. Criança que fui aprendeu pouco com sabatina da reza que bisavó minha bem tentava fazer quando raiava o dia ... que cedo logo eu já estava a postos na mesa:
- Bença, vó!
Com mão segura nas mãos dela e beijo de olhos fechados que é assim que se faz quando se tem sentimentos tantos no gesto. Era mão pequena de uma quentchura macia. E de carinhos muitos guardados ali. Mão que minha irmã herdou em igual conteúdo, forma, cor e calor.
-Deus te abençoe, minha filha!
Tudojuntoassim com o melhor-abraço-e-beijo-no-comecinho-dos-cabelos que eu ganhava e dizia:-Tô com fome.
Aí ouvivia o sorriso gostoso de quem bem sabia que sou pessoa que acordo com bastantes fomes. Era um sorrir canto-de-passarinho-amanhecendo-o-dia-ao-sol... amenizava fomes.
Esperava feliz um bucadinho, com olho comprido de quem pede. Ainda tinha a reza com todo mundo na mesa que bisavó minha bem fazia antes e depois de comer que era pra agradecer e pedir por quem tem fomes. E eu tinha pressa sim...proporcional ao apetite e queria era logo chegar no:- enomedopaidofilhodoespiritosantamém!
Ando é atropelando tudo desde pequena...bendita fome! Hoje queria era ter saboreado mais a entrega sincera na oração. Que é coisa que se diz com coração nas palavras e fé muita que é pra palavra pegar impulso e subir.
E meu modo de estar no mundo parece ser similar ao estar na mesa. Valha-me, Minha Nossa Sinhora!Carecendo de mastigar bem de-va-gar...aquelas tantas vezes antes de engolir que é hábito saudável. Reaprendendo, viu. Que sempre é tempo, Graças a Deus!
Estou de-ci-di-da e nem adianta essa manifestação mnemonica de minha bisavó dizendo: - eu tchô! Quando eu dizia que tinha aprendido a reza nova... dessa vez nem vou fugir com qualquer desculpa quando ela disser: -reza aí preu ver.
Vou é saborear tu-di-nho....até dissolver em meu ser cada coisa...e ser parte de mim. E ser plena de encontros.
Hoje eu rezo como vi vezes tantas minha bisavó rezar...numa quietude e silêncio mesmo no executar de suas tarefas, rezando a vida, comungando refeições, conversando como quem entoa um salmo. Ela enchia a casa de sacralidades. Ela mesma era casa...fortaleza e aconchego. Firme e doce. Os quatro elementos cintilando nos olhos. Guerreira.
E carece de ser assim quando sentimento se apodera do peito.
Que é um medo medonho.
Nessa manhã de chuva, -Aumentai a minha fé, Senhor. Em mim mesma.
Que ando desacreditada de minhas intuições.
E Porque faz frio.
E não tenho mais as mãos quentes de minha avó.
¨*¨

Cecília Braga

¨*¨
Prece e apreço meu também pra agradecer a Biel, menino-anjo, que fez casa minha lembrar o mar.

¨*¨

'Ouvindo Moon Over Bourbon Street, do Sting.

Sobre todos aqueles que continuam tentando,
Deus, derrama teu Sol mais luminoso.

Caio Fernando Abreu

O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima.
Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta. Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares.
Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.
Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins.
Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada'.

domingo, maio 20, 2007

Êós - Deusa da manhã

É devaneio, sim.
Tuas mãos surpreendendo meus olhos.
Repousam sobre eles.
Meu olhar de lua cheia, tuas mãos de sol tecendo eclipse.
Passeio minhas mãos sobre as tuas num medo alegre.
Meu dedos envolvendo com força os teus. Aperto.Temo e tremo.
Os anéis de Saturno atravessados na garganta, embargando a voz.
Essa coisa sem pertencimento vagando no estômago feito Plutão.
Minhas mãos afastando de-va-gar as tuas, sem perder a órbita.
Afasto um a um os teus dedos escoando aurora.
Meu olhar perdido no traçado rósea da palma de tua mão, nele o alvor do dia.
É que sonhei com Primaveras.
Mas, aqui dentro um Outono calado.
Um amarelar das coisas antigas. Guardadas.
Fotografia de tempos atrás revelando sonhos realizados somente ali, no castanho dos olhos.
Tão claros, meu Deus.
Ouço ao longe o vento pastoreando nuvens...
Aqui terra seca de tanto verão tem sede.
Da vida e das estações só se alcança compreensão nos seus contrastes.
Shiva dança. Marca no passo o ritmo do tempo.
E no movimento das mãos abre e fecha ciclos.
Chove.
O sol em outro hemisfério. Inverna a alma.
Bem sei apreciar a beleza de cada estação.
Eu só queria caber no seu abraço mesmo quando
o tempo esquenta o corpo, mas só outro corpo aquece a alma.
Na Gênese que toda noite escura prenuncia eu só queria teu hálito fresco de manhã soprando vida nova em minhas narinas.

Da poesia que você trouxe para os meus dias declamo aqui meu último verso.
°
Cecília Braga


quarta-feira, maio 09, 2007

Mare

Só o som da areia bebendo um tanto de mar calmo
e dos passos do vento ondulando a superfície das águas claras,
assanhando o verde, remexendo na areia...
Guardando o canto do mar nos búzios.
Escrevo algodão em papel azul celeste.

Eu só queria teu olhar perdido em minhas palavras,
feito olhar de criança embebido de céu,
deitada no mar, flutuando.
E que o vento te dissesse da suavidade do toque que tenho guardado.
E aguardado...
Meu canto doce posto em envelope,
segura nas mãos como criança que encontra búzio na areia.
Tesouro.
Aproxima dos teus olhos surpresos. Leva junto ao peito.
Coração se faz ouvido.Abre.
Menino encantado escuta sinfonia dizendo de mar...
e dessas imensidões
Minha espera é azul
e o sal não incomoda tanto...
Sei que tuas palavras molhadas hão de me encontrar...
sedenta.
*
*
*
Cecília Braga

quinta-feira, maio 03, 2007

Adámas


Dos dias que a palavra ríspida marcha dentro do peito.
Das coisas que não se digere. Do revirar no estômago.
Do alvoroço dos pensamentos todos.
'Minha pátria é minha Língua'.
Sim, sim. Caetanear a prosa.
Pensamento numa lonjura aperreada.
Território, liberdade, propriedade e coisas que entendem as membranas. Cerca viva.
Corpo cansado dessa atmosfera bélica, de vaidades tolas, de desenhos de giz. Efemericidades que a menor chuva leva vestígios, todos.
E mesmo ao maior sol...
Vai ardendo os dias no passar ligeiro do tempo, pra quem quer demora. Ou no demorar do passo, pra quem tem pressa. Queima tudo. Fica a dúvida. Medonha.Se existiu mesmo. E só. Feito lembrança de pesadelo amargando a boca, depois que acorda.
Encontros forjados. Gentes que planejam, invadem e se apropriam. Sedução Vampiresca. Apois. Daquelas que se diz bem sexy, entre sorrisos, os mais cínicos, quase a cravar os dentes no pescoço arrepiado do tanto querer, e do medo se depois de. Haverá.
: - Lembra do primeiro instante? Diante de sua porta. Teu ser inteiro vibrando na certeza do sim... a casa é sua. Pode entrar.
Ah, meu avô! Como é que o olhar deixa de ser de onça em situação dessa magnitude?! Deixa não. Individualidade é espaço sacro. E tem gentes profanando. Que essa coisa de ser Imagem e Semelhança, é de Criador. de criatura não.
Criatura cabe ser bandeirante no território do próprio ser. Tarefa de vida inteira que se deixa inacabada. Terra vasta. E Santa.
Tá no Eclesiástico: 'Boca fala do que o coração está Cheio'. Acredito sem duvidar vez nenhuma que fosse. Linguagem é simbolismo vivo. Verbo que se faz carne. Palavra de fé removendo montanha. É palavra de profeta construindo futuro. Escrita dizendo da mão de quem escreve. Gesto proferido é desenho ímpar.
Adianta não. Ouro de Tolo enche os olhos de quem tem visão prejudicada. Imagem presa na retina de bailarina linda, sensualidade na dança, vestida do véu de Maya. Olhos em labaredas de ira. Mãos estendidas em gesto de carinho. Fatal.
Abraço de Tamanduá, como diz meu avô. Expressão melhor, haveria não. Gentes assim é espécime em extinção não. Nem às vias de ser extinta. Andam por aí. As pencas.
Das querências do dia, quero é olho de garimpeiro, Senhor.
*

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Cecília Braga

quarta-feira, abril 25, 2007

En - carnado

Sentimento queimando em meu peito aberto
feito rosa desabotoando ao sol,
Quando os ponteiros se unem para cortar o dia ao meio.
A pele em ebulição alaga os poros.
Água e Sal. Suor. Lágrimas. E mar.
Os pêlos eriçados, cedem.
Como coqueiro que reverencia a majestade do vento.
Dobra-se ao seu querer.
Meu corpo em atividade sismica.
Ab imo Pectore: Ferve.
In: Tudo é magma.
Essas palavras arrebatadas,
Sarsa ardente que queima sem consumir,
Lanço todas sobre o papel...
Só enquanto não posso escrever-escarlate sobre tua pele a minha geologia.
Vem e resfria as palavras no teu toque.
Cristaliza-as... magma frio, rochas ígneas.
Alicerce.
Tua mão na minha, selo...
E a gente feito criança desenhando nossa história nas pedras.
Assim: com a vida em punho.
hieróglifo encarnado.
Rouge.


*
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Cecília Braga


***...***...***
Ao som de Vitor Ramil ....

Longe de Você


Tô vivendo em outra dimensão
Longe de você
Habitando o fundo de um vulcão
que eu domestiquei
Todo dia deixo o sol entrar
mas a luz não vem
A janela em mim é tão brutal
Causa esse desdém
Meu relógio em outra dimensão
corre de você
Solto o pensamento num tufão
Finjo que bem sei
Todo dia o dia quer passar
mas o fim não vem
A espera é sempre tão brutal
Tudo se mantém
Acredito em outra dimensão
Longe de você
Lava, fogo, cinzas, solidão
Já me acostumei
Todo dia posso te encontrar
mas você não vem
O deserto em volta é tão brutal
Sempre te detém
Sempre te detém
Sempre te detém
Sempre te detém





quarta-feira, abril 18, 2007

Catarse


Aqui é lugar habitado por tua ausência, ar denso de saudade povoando de neblina o vazio. Difícil respirar. Meu choro obstruído no peito. Meus pensamentos insones. E as palavras chorando na ponta do lápis...
A morte petrifica quem vai e imobiliza quem fica. Mesmo quando a razão teve tempo de doutrinar o coração, ressaltando os sinais que se desenham nos gestos, na pele, no olhar, no gemido e no cansaço. Os olhos atestam a vida desistindo.


Coração amiudando no peito, inda mais quando seu corpo enchia meus braços e soluçava a dor de quem se sabe indo sem querer partir.


Ah, minha ... e você nos fazendo sorrir um riso molhado de tantas lágrimas. Brincando com o que mais lhe doía. Transcendendo. Tirando dos menores gestos o fantástico da vida, feito criança. Ainda vejo teus pés brincando na água do banho. Teu sorrir com o corpo inteiro. Teu senso de humor fantástico. Teus olhos vivos e atentos. Tua lucidez.


Era quinta-feira maior mas não haveria a última ceia, o partir o pão e nem o lava pés. E não haverá mais a tua comida na mesa.


Melhor comida não há...


E tinha toda uma distância para percorrer porque teu corpo queria descansar em tua terra, junto aos teus pais. Teu caixão, o cheiro forte de formol, e o moço da funerária me explicando que os vidros abertos...vento na estrada... ía melhorando...E eu olhando pra ele, enquanto colocava o cinto, sem nada dizer, aceitando com olhar. Anestesiada. Queria era recostar a cabeça no banco, deixar meu olhar se perder nas paisagens e lembrar que o movimento da vida é esse: passar. E-ternizando instantes.


O tudo que pensamos materializar: pó.


Re-fazer viagem de tantas anos, evocando lembranças, muitas. Vivas. Latejando no peito. Meu silêncio irrigado, moço vez em quando interrompia...queria saber: idade, o que foi que houve e se era minha mãe. O dia quente. Meus olhos transpirando. Pensamento perdeu as rédeas e ía sertão adentro. Lembrava meu avô, sua mão áspera nas minhas, sua única frase dita entre tantos soluços:- estou chopado, chopado, chopado minha filha. E pedindo pra Senhor do Bonfim conceder a graça dele ir com ela... e tanta dor no meu peito.


Dia se arrastou noite adentro. Lua cheia. Frio de desamparo de quem perde companhia de 56 anos e não haveria e não haverá abraço que aqueça. Frio de corpo sem vida no meio do salão.


Meus olhos pousavam vez em quando nos olhos do meu pai. Olhar mais transparente não há.De um castanho cristalino. Toda dor manifesta.


Sol nascendo. Sexta-feira da Paixão. Mãos dadas, família em prece. Os filhos segurando firme a alça do caixão, mas não o choro.


Estrada de chão. Riachos. Cascalhos. Serras. Verde. Verde. Água correndo no silêncio da mata. Lugar onde teu corpo se re-integra ao todo.


É que ela se foi assim, feito criança que adormece em qualquer canto da casa esperando Pai chegar e carregá-la no colo até a cama.


Adormeceu.


Descansa em paz, minha avó.




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Cecília Braga






..............& EM MEMÓRIA DE LILIAN




Mais que linda: Viva, tensa,confusa. Lilian Lemmertzera meio rainha. E nobre.Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Por que nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo “clima”, certa “preparação”. Certa “grandeza”.Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo “eterno”) cotidiano. A morte de alguém conhecido ou/e amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Por que o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.Como amor e morte não se separam – feito quem diz “era uma vez”, conto: na tarde de sábado, estava eu assustadamente dentro do amor (eu não acreditava mais que o amor existisse, e a vida desmentia) quando o telefone tocou. Do outro lado, alguém me deu a notícia da morte de Lilian Lemmertz. E eu também não acreditava mais que a morte existisse, naquele ou neste momento, quando preciso me embriagar um pouco com urgências de vida porque se considerar a cada minuto a possibilidade da morte – então paro imediatamente de viver. Fico de olhos arregalados, imóvel, à espera do poço previsto.Como quem muda um canal de televisão, continuei vivo. Pra rebater a morte, fui ver o show de vida de Elza Soares. E bebi e fumei e conversei e amei mais e mais ainda. Mas dentro de qualquer movimento, a morte de Lilian. E dei pra lembrar de uma única conversa nossa, quando ela fazia Esperando Godot, e fui entrevistá-la. Falamos uma tarde inteira. Ela era mais que linda. Era viva, sarcástica, tensa, confusa. Meio desmedida. E rainha.Lilian era nobre. Eu pensava em atrizes, enumerava: Marília Pera, Fernanda Montenegro. E Lilian Lemmertz, com aquela raça, aquele porte, a boca inesperadamente frágil e amarga, desmentindo o brilho às vezes frio dos olhos. Um certo ar de Jeanne Moreau, e ninguém como ela. Que nem chegou a ter seu grande papel, sua Fedra, sua Petra, Seu Pixote, sua hora de estrela. Brilhante, mas, ao fundo, aquele ar de humanidade despedaçada que Marília também suporta. Ouvir Lilian falando era ficar arrepiado, olhos cheios de lágrimas: o humano excessivo aterroriza e maravilha. Igual à morte e ao amor.Guardo Lilian na memória não como a professora de Lição de Amor, a bêbada de Caixa de Sombras ou a dona-de-casa de Baila Comigo – escolho guardá-la metida na pele de um dos vagabundos de Samuel Beckett. Barriga falsa, suspensórios, calças pelo meio da canela, chapéu-coco. Meio clown, esperando por Godot. Que chegou, afinal. Lilian estava sozinha. Ele a levou consigo. Terá sido frio seu súbito abraço? Quem sabe não.Agora, no fim da noite de domingo, longe do colo morno do amor, a morte visita o apartamento e fico pensando em como recuperar minha imortalidade após este próximo ponto final. Preciso dela, amanhã de manhã. Quando o mundo continuará igual. Só que sem Lilian. E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo. Mais incompreensível, e menos nobre.




Caio Fernando Abreu




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'Sometimes late at night
I lie awake and watch her sleeping

Shes lost in peaceful dreams

So I turn out the lights and lay

there in the dark

And the thought crosses my min

If I never wake up in the morning

Would she ever doubt the way I feel

About her in my heart

If tomorrow never comes

Will she know how much I loved her

Did I try in every way to show her every day

That shes my only one

And if my time on earth were through

And she must face the world without me

Is the love I gave her in the past

Gonna be enough to last

If tomorrow never comes

cause Ive lost loved ones in my life

Who never knew how much I loved them

Now I live with the regret

That my true feelings for them never were revealed

So I made a promise to myself

To say each day how much she means to me

And avoid that circumstance

Where theres no second chance to tell her how I feel

So tell that someone that you loveJust what youre thinking of

If tomorrow never comes´.