quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Girasole



Mania de me debruçar sobre abismos.
De deixar as pupilas dilatarem num silencioso e crescente desespero.
E esse castanho doce que de tanto mel fica apelativo.
O amanhã é só esse pano escuro onde pinto estrelas... ora verdes, de vivas esperanças e tantas outras vermelhas, já cadentes de fantasiadas esperas.
Tudo é tão obscuro quanto o que há de vir. Até esse meu corpo branco exposto ao sol de meio-dia, e que seduzido escorrega abismo abaixo.
Arde. Ferida exposta de quem se lança e ao soprar do vento...queima. E faz frio. Feito corpo que chama, e tem febre.
Se envolver inteira nessa escuridão... buscando ao menos, a ilusão de abraço.
De perto, nada é tão escuro. Nem tão claro.
Amar-elo.
É que nas profundezas abissais havia um campo de girassol. ..
Impregnado em minhas retinas... esse castanho doce, de tanto mel...avelã.
Só saberia agora desejar que: ...
Mas antes do ponto final haveria de salvar o hoje de cada dia que o prece-deria. E assim, por ora-ação, decidiu fazê-lo doce, doce, doce...
d'ocê.
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Cecília Braga

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Castelos de Areia



“O amor é agonia e êxtase, liberdade e
prisão, desejo e solidão. É o que nos mantêm inteiros quando a vida nos
despedaça”.

“Apaixonar-se é maravilhoso...Só nos apaixonamos por uma razão, nada no mundo nos faz sentir tão bem...
O amor é campo minado. Basta um passo e nos despedaçamos, juntamos os cacos e, sem pensar damos outro passo. Acho que é da natureza humana. A solidão é tão ruim que preferimos sofrer a ficarmos
sozinhos”.

(Trechos do filme amor aos pedaços – Love & Sex).
Noites e noites tentando em vão encaixotar tantos pensamentos, modo de ser... Um tanto desse excesso do que sou e que ocupa tudo dentro de mim...Consome-me inteira, em banho maria.
Ando tropeçando nesses meus fragmentos enquanto caminho cautelosa, meu ser adentro... Queria retirar tudo, me deixar vazia de mim. Coisa de quem faz mudanças. E me vem inteiro o trecho de Clarice, um alerta de impossibilidade:
"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma".

Fico parada, com as mãos-na-cintura, me olhando inteira...por onde começar a re-forma. Há umas paredes a derrubar, outras a construir...ali mesmo, em volta do coração, é tarefa urgente. Mas ele é claustrofóbico. Ah, mas não gosto de nada com a palavra forma...formalidade, formando. Não sei caber em moldes. Não saberia re-formar.
Essas cores vibrantes me levam sempre a exaustão, mas não gosto do morno dos tons pastéis, nem de casa de cor uni-forme. Gosto de cores quentes e frias. Cansada de tantos humores. Desses dias claros em que tudo se condensa. E céu vai ficando azul-marinho, em dia pleno... noite se faz. Nuvem que gota a gota vai juntando tudo até precipitar-se.
Eu me precipito, me atropelo. Coisas de quem tem os sentidos excitados. E qualquer coisa, já é prenúncio de êxtase. Mas tem coisas que só querem seduzir os sentidos....Endoidecê-los. Tenho os sentidos já cansados de tantas promessas de gozo. Eles querem te perceber inteiro. E eu quero apenas ter o prazer de ser quem sou... em teus braços. Sem precisar me mudar de mim. Apenas ampliar os meus espaços, dilatar meus átrios. E te receber. Eu que nem conheço teus passos, mas te vejo caminhar livre, pés descalços e sem camisa aqui dentro. Eu me des-cobri querendo ser apenas tua morada.
Todo esse meu verso descabido sempre foi pra alcançar você. Com mãos trêmulas, tateando no escuro, na esperança dessa luz dos teus olhos. Nem sei mais o porquê desse discurso torto. Já Fechei a porta. Desejei Boa noite. E sai. Sem levar nada comigo, e sem querer nada de volta. Os braços nus. Quero deixar essa noite fria me doer até os ossos.
Gosto de me doer na mesma proporção em que me dou: inteira. Passos firmes e breves. Quero ir a divagar, desacelerando os pensamentos e essa taquicardia.
O tempo está para majestade. Corta o céu serpentinas de luz. Tantas considerações relampejam. Deixa esse silencio ensurdecedor ser palco, porque quero gritar pra mim mesma coisas que eu já sabia e me calei. Deixa eu sentir cada gota fria de tua indiferença me encharcar inteira, até pesar o corpo e se tornar difícil andar. Um dia este corpo-cadáver nada há de sentir. Por ora, quero sentir tudo. E até lá...meu coração há de fazer terapia, deitar no divã sua claustrofobia. Chega de pulsar assim: vermelho-vivo-vibrante-de-portas-abertas.
Tem gente que chega e leva tudo. Ah, eu sei. Sei conviver com meus vazios. Mas hoje, cansada de meus excessos, eu só queria não estar só.
Cessou tudo. Como tempestade que chega e se dissipa. Contrariando previsões. Tempo quântico, cheio de possibilidades. Só. Uma brisa leve enxuga meu corpo carente de toque que se arrepia. Alma lavada. E já agora, eu nada queria...estou repleta. Tomada por uma absurda compreensão de mim. Essa angústia de existir em teus braços...agora, é só angústia de existir. Existo na medida em que estou sendo. Não há como me definir sem reticências...e quero alguém que me perceba inteira pelos sentidos. Cansei de tanta hipocrisia disfarçada. Dessa gente que me acompanha porque sabe que vivo à la Oswaldo Montenegro e deixo a vida entrar pelo nariz. Conservo os pulmões sempre cheios e quando sopro, por vezes inflo egos. Cheios de si, escapam. Feito balão desejado que criança tem na mão e com lágrimas nos olhos ao menor vento ver partir....Chora até ser tomada por uma profunda alegria. Pessoas foram feitas pra voar. Sorrindo deixa a vida lhe eriçar os sentidos...
É dia com cheiro de mar e vai construir castelos na areia...gosta de lembrar que tudo tende a se dissolver...
Vida inteira feito criança que sabe valer a pena construir castelos na areia, dar corpo ao sonho, persistindo com esperança... e recomeçando sempre. E cada vez mais longe do mar, na tentativa de que nenhuma onda alcance. E com tanto amor, que faz gente grande sentir sua criança outra vez. E por ter estrelas nos olhos, atrai. Gente que chega de mansinho para olhar, gente que passa olhando, sorrindo. Gente que chega para ajudar. E gente que chega pra destruir. Vez em quando consegue. Criança esperneia, chora, faz bico e diz que não quer mais....logo mais quer de novo, sem mágoa. Porque sabe, tudo vai se dissolver... no mar....um dia. E segurando um punhado de areia que lhe escorre pelas mãos, escapando ao sol...sorri assertiva...alguns grãos brilham. E ela quer brilhar. Ser esse grãozinho de ouro pra alguém.
É que a nossa criança tem imperativo em nós, vivemos a fazer colagens... Mas não adianta. Lá está o amor a nos dizer que não estamos inteiros...
E mesmo sabendo que. Quem não quer se dissolver no a-mar e se sentir inteiro, amparado feito criança que encontra consolo e paz em colo de mãe e segurança nos braços fortes do pai?!
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Cecília Braga

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar".

Clarice Lispector




quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Ruah

Ensandecida por tanta Lucidez.
Por vezes penso que lucidez é essa ilusão de luz, esses espaços vazios, repletos do branco, propositalmente em destaque.
Jogo de claro-escuro onde cada mancha serve mesmo é para destacar a luz. Céu escuro em noite estrelada.
Sendo assim, os Budistas compreenderam a razão: é tudo ilusão. Jogo. De luz.
Excesso de realidade é só ausência do real e presença forte de sentidos, todos em alerta?! Feito animal eriçado frente ao perigo, todo alerta, todo defesa, todo projeção?!
É que essa imagem deveria evocar a paz que tanto clamo.Às avessas, bem sei, nessas palavras irriquietas.
Entenda, elas só querem plainar de leve sobre o papel, como plumas soltas ao ar... que dançando cedem à gravidade. E pousam. Essa imagem é toda movimento. E essas palavras presas ao papel, ilusão. São Plumas, leves. Segredei ao vento um desejo. Redemoinho. Alçam vôo esse turbilhão de palavras. Não se espante. Le-ve-men-te um anjo recostará em seu peito. Em suas asas, as palavras que sonho dizer, plumas. Nos teus braços a paz e o meu re-pouso. Será assim: doce e lírico, como se uma borboleta azul sossegasse sobre teu peito... segundos e-ternos antes de partir de novo...Já desejando a hora de voltar.
Nessa noite escura de tamanho desamparo, penas tantas enchem minhas mãos, coisas de auto-condenação e auto-comiseração...elevo minhas mãos ao céu na esperança de ver brilhar uma estrela. De Davi. Num sopro, minha prece ...que haja nova vida! E num suspiro de alívio, abro os olhos...penas coloridas dançam no ar...e vão ficando brancas, brancas, brancas e o céu repleto de estrelas...agora eu vejo penas douradas. Ao longe dançam...
Um sorriso me escapa num suspiro...é dourado o cabelo do anjo que dorme em teu peito. Fios dourados que le-ve-men-te dançam enquando você sus.pira. Em meio a tantos sonhos...
Silêncio, aquele instante antes de tudo vir a ser... Ah, será!

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Cecília Braga



"Era isso – aquela outra vida inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém mais veria. Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tempo incapazes de ver uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que recomponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome".
Caio Fernando Abreu


Desenho: Tomas Barth.

sábado, fevereiro 03, 2007

(Now)here!

De um pensamento a outro...


Já nem sei mais o que é real. E por vezes é bom não saber.
"A ignorância é a felicidade".
Hoje quero essa felicidade escondida e ignorada das pequenas coisas, de quem sabe ver a beleza mesmo quando ela nos mostra a face mais feia. Quero ignorar a máscara disforme de tanto sentimento torto, de cores gritantes e escuras que você coloca vez em quando. Saber olhar nesses olhos cansados, de brilho tosco, e um tanto petrificado e com todo meu não-saber sentir presença de mar nessas retinas áridas. Quantas eras glaciais em tua vida?! E quem poderia contar? Tem gente que fica tão pouco, por urgência de vida ou convite de morte, que não há como dizer, e nem como calar. Há quem narre uns fatos. Há quem conte um conto. Há quem analise. Há quem fale de si em 3° pessoa do singular, sem singularidades. Haveria ou haverá quem possa apenas viver com, para e por?! E que traga apenas consigo seu ser in-completo, em construção...
E amor pulsando. Feito coração. Só isso basta! Basta sempre e em qualquer estação ou qualquer era.
Pensamento com peso e concretude de realidade...coisa de quem busca apenas a realidade leve e mágica de um sonho. Sonho bom.
É que a menina em mim acordou tão cedo e quer tornar meu dia doce...
Repleto de tua presença...mesmo que hoje eu precise olhar muito além do que vejo para encontrar doçura em ti. E para meu con-solo de mulher, a menina em mim brinca sempre de faz-de-conta.
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Cecília Braga






"Faz de conta que ela era uma princesa azul pelo crepúsculo que viria, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que sangue escarlate não estava em silêncio branco escorrendo e que ela não estivesse pálida de morte, estava pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz-de-conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz-de-conta verde cintilante de olhos que vêem, faz de conta que ela amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de marinheiros que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos da gratidão mais límpida, faz de conta que tudo o que tinha não era de faz-de-conta, faz de conta que se descontraíra o peito e a luz dourada a guiava pela floresta de açudes e tranqüilidade, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando".

Clarice Lispector