segunda-feira, maio 31, 2010

sexta-feira, maio 21, 2010

"Fiquei numa sala vazia. E parece que foi Ludvick que ordenou que eu ficasse sozinho.  Pois não são os inimigos, mas sim os amigos que condenam o homem à solidão.
Desde então, cada vez com mais frequência, comecei a fugir por este caminho de terra margeado de pequenos campo. Por esse caminho  no campo onde uma roseira selvagem cresce sozinha num declive. Lá encontro os últimos fiéis. Há o desertor com seus companheiros. Há um músico errante. E, além do horizonte há uma casa de madeira e dentro dela Vlasta - a pobre serva. 
O desertor me chama de rei e jura que posso em qualquer época refugiar-me sob sua guarda. Basta eu ir para junto da roseira selvagem. Ele estará lá para me encontrar.
Como seria simples encontrar a paz num mundo imaginário! Mas sempre tentei viver nos dois mundos ao mesmo tempo, sem abandonar um pelo outro. Não tenho direito de renunciar ao mundo real, embora nele perca tudo. Talvez no fim dos fins basta que eu consiga uma única coisa. A última!
Entregar minha alma, como uma mensagem calara e inteligível  ao único indivíduo que a compreenderá e que poderá levá-la adiante. Até lá, não tenho o direito de partir com o desertor em direção ao Danúbio.
Este último homem em quem penso, minha última esperança depois de tantas derrotas, está separado de mim por uma parede, e dorme.  Depois de amanhã montará um cavalo. Terá o rosto coberto.  Será tratado por rei. Venha, meu pequenino. Sinto-me apaziguado. Eles lhe darão meu título. Vou dormir. Em meu sonho quero vê-lo cavalgando!
... A curiosa convicção de que todo acontecimento que me sucede comporta também um sentido; que ele significa alguma coisa, que a vida, por sua própria aventura, nos fala, nos revela gradualmente um segredo, que se oferece como uma enigma a ser decifrado, que as histórias que vivemos formam ao mesmo tempo a mitologia da nossa vida e que essa detém a chave da verdade e do mistério. É uma ilusão? É possível. É mesmo verossímil, mas não posso reprimir essa necessidade de decifrar continuamente minha própria vida".

  A Brincadeira, Milan Kundera.