sexta-feira, junho 01, 2007

Prece

Que sou pessoa de fé, sabe. Criança que fui aprendeu pouco com sabatina da reza que bisavó minha bem tentava fazer quando raiava o dia ... que cedo logo eu já estava a postos na mesa:
- Bença, vó!
Com mão segura nas mãos dela e beijo de olhos fechados que é assim que se faz quando se tem sentimentos tantos no gesto. Era mão pequena de uma quentchura macia. E de carinhos muitos guardados ali. Mão que minha irmã herdou em igual conteúdo, forma, cor e calor.
-Deus te abençoe, minha filha!
Tudojuntoassim com o melhor-abraço-e-beijo-no-comecinho-dos-cabelos que eu ganhava e dizia:-Tô com fome.
Aí ouvivia o sorriso gostoso de quem bem sabia que sou pessoa que acordo com bastantes fomes. Era um sorrir canto-de-passarinho-amanhecendo-o-dia-ao-sol... amenizava fomes.
Esperava feliz um bucadinho, com olho comprido de quem pede. Ainda tinha a reza com todo mundo na mesa que bisavó minha bem fazia antes e depois de comer que era pra agradecer e pedir por quem tem fomes. E eu tinha pressa sim...proporcional ao apetite e queria era logo chegar no:- enomedopaidofilhodoespiritosantamém!
Ando é atropelando tudo desde pequena...bendita fome! Hoje queria era ter saboreado mais a entrega sincera na oração. Que é coisa que se diz com coração nas palavras e fé muita que é pra palavra pegar impulso e subir.
E meu modo de estar no mundo parece ser similar ao estar na mesa. Valha-me, Minha Nossa Sinhora!Carecendo de mastigar bem de-va-gar...aquelas tantas vezes antes de engolir que é hábito saudável. Reaprendendo, viu. Que sempre é tempo, Graças a Deus!
Estou de-ci-di-da e nem adianta essa manifestação mnemonica de minha bisavó dizendo: - eu tchô! Quando eu dizia que tinha aprendido a reza nova... dessa vez nem vou fugir com qualquer desculpa quando ela disser: -reza aí preu ver.
Vou é saborear tu-di-nho....até dissolver em meu ser cada coisa...e ser parte de mim. E ser plena de encontros.
Hoje eu rezo como vi vezes tantas minha bisavó rezar...numa quietude e silêncio mesmo no executar de suas tarefas, rezando a vida, comungando refeições, conversando como quem entoa um salmo. Ela enchia a casa de sacralidades. Ela mesma era casa...fortaleza e aconchego. Firme e doce. Os quatro elementos cintilando nos olhos. Guerreira.
E carece de ser assim quando sentimento se apodera do peito.
Que é um medo medonho.
Nessa manhã de chuva, -Aumentai a minha fé, Senhor. Em mim mesma.
Que ando desacreditada de minhas intuições.
E Porque faz frio.
E não tenho mais as mãos quentes de minha avó.
¨*¨

Cecília Braga

¨*¨
Prece e apreço meu também pra agradecer a Biel, menino-anjo, que fez casa minha lembrar o mar.

¨*¨

'Ouvindo Moon Over Bourbon Street, do Sting.

Sobre todos aqueles que continuam tentando,
Deus, derrama teu Sol mais luminoso.

Caio Fernando Abreu

O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima.
Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta. Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares.
Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.
Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins.
Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada'.

12 comentários:

Anônimo disse...

Eu gosto é dessas sacralidades reais... e não das inventadas. Eu gosto é desse fervor honesto, e não dos maculados.

Eu não lembro onde foi que perdi (ou se um dia eu tive) essa tal de fé... deves lembrar que desde a época do colégio, mina religiosidade sempre fora tabu.

beijo

saudade

Unknown disse...

E faz muito bem, que ter fé é como sobreviver aos loucos e aos céticos ao mesmo tempo. É como olhar os pobres coitados, tão perdidos; e ainda os mais perdidos ainda, cansados de se perder - e trancafiando a saída dos primeiros; e lembrar que basta respirar e um segundo a mais de vida aparece.

É simplesmente tentar.



Derrama o Sol sobre as chagas.
Amém.

Anônimo disse...

Preciso tanto de mãos quentes que me aqueçam...
Beijos.

diovvani mendonça disse...

Me dê licença... Para entrar neste santuário. É o mínimo que posso fazer. Menina... Pô, muitas coincidências. Lembrei-me de meu avô, minha avó... sabe esse ´lance de rezar rápdo "E eu tinha pressa sim...proporcional ao apetite e queria era logo chegar no:- enomedopaidofilhodoespiritosantamém!". Como parece-me que tivemos avós parecidos acredto que você se lembre desta oraçãozinha: (meu avó me envisou - eu tb tinha pressa para acabar)
"Com Deus me deito
com Deus me levanto
na graça de Deus
e do Divino Espirito Santo"

Nunca mais esqueci, parece gravada em meu DNA.

Eu também sou de libra.

"Moon Over Bourbon Street" é das múscas do Sting que mais gosto. Além de outras claro. Você Conhece dele, "Mad About You"? - acho maravilhosa.

Poderia emviar-me um e-mail no diovvani@yahoo.com.br? Quero dar-lhe um presente.

Gostei especialmente desta sua postagem.

AbraçoDasMontanhas.

Camila disse...

Doeu muito?
... quando caiu do céu?

adoro isto aqui...

Beijos mil

Briza disse...

é preciso ter tanta, tanta fé.

Anônimo disse...

O que fará a diferença será quando até os céticos tiverem fé!

Linhas do desassossego disse...

Nunca vi coisa tão pura quando recordar nossas vivências com nossos avós...

amei!

Anônimo disse...

Abro o espaço das coisas quando não sou nada religioso, quando critico a Igreja, mas fervo em fé... dessa fé que a gente tem em uma divindade superior nos momentos em que estamos pior. Aproximo-me dessa...

hás de entender o que falo quando visitardes o InventO...

Anônimo disse...

Opa! faltou educação por aqui,,,rsrsrs....

Bjs e agradáveis invenções!

Clóvis Struchel disse...

Eu fico por aqui só sentindo e sentindo...

Caio sempre me arrebata inteiro, desempoeirando sentimentos já esquecidos no peito.


E você, com estes seus escritos minuciosos e tão bonitos, coisa boa vir aqui.


Meu beijo.

Elenita Rodrigues disse...

Tú é linda, sabia?
Muitos beijos! =**