terça-feira, janeiro 08, 2008

Cielo

Nem ousava ser Natal. Talvez por isso, e por que uma moça vestia uma paz tão em guerra, eu tenha ancorado meus pensamentos entre o polegar e o indicador da sua mão esquerda.Agora, além dos três lírios, ela tinha nas mãos a minha atenção. Tudo amarelando ali.Pesar de preces antigas nas gavetas do tempo. Recitadas com fé ácida e algumas ânsias.
Meu olhar aportou, só pra de lá perder o rumo. O corpo inteiro apreensivo, num movimento suspenso...o coração atracando. Cada movimento que ela fazia para encontrar a paz, deixava em mim um desespero de guerra.
Ela fincou os demais dedos de sua mão esquerda na areia, como se tudo dentro fosse arrebatador demais e não pudesse se sustentar em si. E por Deus, eu entendia. Era resposta tonta de tanto medo de um pensamento virar impulso, ataque ou defesa. Compreender faz meu coração vibrar em minhas cordas vocais. Porque som de ausências se faz quando o ar falta e a boca se abre sedenta em meio a tanta saliva. Um desassossego ritmado no peito, bate pesado, cheio.Todo oxigênio é só alimento pra saudade. Suspira. Queima. O corpo inteiro. Como se a carne soubesse que é preciso incensar os altares pra alma se apresentar: - oferta.
Lírios. Três. Indicador e polegar se dobram para abraçar três caules inflamados de tanta esperança. Consolo? Três desejos pendentes nas mãos.Branco-gelo. Um desabrochar de medos. Cor do passar do tempo tingindo as flores: amarelo.E ela coloca a mão direita sobre o rubor da face: sol-ardências-vergonhas. A vida despindo os disfarces com as mãos dos instintos.
Caminha até uma onda ameaçar a firmeza dos seus passos. Espera incerta por um momento ímpar. Demasiadamente longo. Haveria de pedir por paciência, mas só haviam três lírios.
Mergulhou os pés e pensamentos.
Muita fé.Um suspiro.Um impulso.Uma entrega. Duas. Três.
E uma grande expectativa.
vai-vem. vai-vem. Tanta fragilidade nos sonhos. Nos lírios. Na vida.Na alma...
vai-vem. vai-vem. Tanta incerteza no movimento das águas. Nas mãos. Na vida. Na alma.
vai-vem. vai-vem. Algumas frustrações despetaladas na areia.
Afasta o corpo, ganha distância nos olhos. Alarga os passos. Pára. Olha de longe como se... tivesse se deixado lá. Um ou dois flamingos alçam vôo no seu estômago, aprendizagem de liberdade. Uma quase-vertigem, de quando tudo falha. Estátua de sal? Pediu com fé: - Por Deus, não!! Colocou os óculos escuros como quem acaba de colocar uma coroa de flores sobre uma lápide fria e vai se afastando de-va-gar, os dedos reconhecendo, no tato, o frio da ausência.
Ela se foi... e ficou. Caminhando dias a fio por meus pensamentos. E eu que nem encontro nas celebrações de ano novo um sentido. Mas, que quero encontrar sempre no instante novo matéria-prima pra criar e re-criar meus sentidos... Encontrei nos gestos daquela moça claridade de lua cheia sob o mar.
Tenho nas mãos três preces prateadas. No coração: tantas luas, São jorges e dragões. O olhar limpo de noite clara... vôos de flamingos no estômago. De quando você me olha e traça, sem saber, no ar, com o clarão do teu sorriso, uma rosa-dos-ventos.E isso me desterritorializa. Mas, já fiz as minhas preces.






Cecília Braga