quarta-feira, abril 18, 2007

Catarse


Aqui é lugar habitado por tua ausência, ar denso de saudade povoando de neblina o vazio. Difícil respirar. Meu choro obstruído no peito. Meus pensamentos insones. E as palavras chorando na ponta do lápis...
A morte petrifica quem vai e imobiliza quem fica. Mesmo quando a razão teve tempo de doutrinar o coração, ressaltando os sinais que se desenham nos gestos, na pele, no olhar, no gemido e no cansaço. Os olhos atestam a vida desistindo.


Coração amiudando no peito, inda mais quando seu corpo enchia meus braços e soluçava a dor de quem se sabe indo sem querer partir.


Ah, minha ... e você nos fazendo sorrir um riso molhado de tantas lágrimas. Brincando com o que mais lhe doía. Transcendendo. Tirando dos menores gestos o fantástico da vida, feito criança. Ainda vejo teus pés brincando na água do banho. Teu sorrir com o corpo inteiro. Teu senso de humor fantástico. Teus olhos vivos e atentos. Tua lucidez.


Era quinta-feira maior mas não haveria a última ceia, o partir o pão e nem o lava pés. E não haverá mais a tua comida na mesa.


Melhor comida não há...


E tinha toda uma distância para percorrer porque teu corpo queria descansar em tua terra, junto aos teus pais. Teu caixão, o cheiro forte de formol, e o moço da funerária me explicando que os vidros abertos...vento na estrada... ía melhorando...E eu olhando pra ele, enquanto colocava o cinto, sem nada dizer, aceitando com olhar. Anestesiada. Queria era recostar a cabeça no banco, deixar meu olhar se perder nas paisagens e lembrar que o movimento da vida é esse: passar. E-ternizando instantes.


O tudo que pensamos materializar: pó.


Re-fazer viagem de tantas anos, evocando lembranças, muitas. Vivas. Latejando no peito. Meu silêncio irrigado, moço vez em quando interrompia...queria saber: idade, o que foi que houve e se era minha mãe. O dia quente. Meus olhos transpirando. Pensamento perdeu as rédeas e ía sertão adentro. Lembrava meu avô, sua mão áspera nas minhas, sua única frase dita entre tantos soluços:- estou chopado, chopado, chopado minha filha. E pedindo pra Senhor do Bonfim conceder a graça dele ir com ela... e tanta dor no meu peito.


Dia se arrastou noite adentro. Lua cheia. Frio de desamparo de quem perde companhia de 56 anos e não haveria e não haverá abraço que aqueça. Frio de corpo sem vida no meio do salão.


Meus olhos pousavam vez em quando nos olhos do meu pai. Olhar mais transparente não há.De um castanho cristalino. Toda dor manifesta.


Sol nascendo. Sexta-feira da Paixão. Mãos dadas, família em prece. Os filhos segurando firme a alça do caixão, mas não o choro.


Estrada de chão. Riachos. Cascalhos. Serras. Verde. Verde. Água correndo no silêncio da mata. Lugar onde teu corpo se re-integra ao todo.


É que ela se foi assim, feito criança que adormece em qualquer canto da casa esperando Pai chegar e carregá-la no colo até a cama.


Adormeceu.


Descansa em paz, minha avó.




*

*

*

Cecília Braga






..............& EM MEMÓRIA DE LILIAN




Mais que linda: Viva, tensa,confusa. Lilian Lemmertzera meio rainha. E nobre.Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Por que nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo “clima”, certa “preparação”. Certa “grandeza”.Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo “eterno”) cotidiano. A morte de alguém conhecido ou/e amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Por que o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.Como amor e morte não se separam – feito quem diz “era uma vez”, conto: na tarde de sábado, estava eu assustadamente dentro do amor (eu não acreditava mais que o amor existisse, e a vida desmentia) quando o telefone tocou. Do outro lado, alguém me deu a notícia da morte de Lilian Lemmertz. E eu também não acreditava mais que a morte existisse, naquele ou neste momento, quando preciso me embriagar um pouco com urgências de vida porque se considerar a cada minuto a possibilidade da morte – então paro imediatamente de viver. Fico de olhos arregalados, imóvel, à espera do poço previsto.Como quem muda um canal de televisão, continuei vivo. Pra rebater a morte, fui ver o show de vida de Elza Soares. E bebi e fumei e conversei e amei mais e mais ainda. Mas dentro de qualquer movimento, a morte de Lilian. E dei pra lembrar de uma única conversa nossa, quando ela fazia Esperando Godot, e fui entrevistá-la. Falamos uma tarde inteira. Ela era mais que linda. Era viva, sarcástica, tensa, confusa. Meio desmedida. E rainha.Lilian era nobre. Eu pensava em atrizes, enumerava: Marília Pera, Fernanda Montenegro. E Lilian Lemmertz, com aquela raça, aquele porte, a boca inesperadamente frágil e amarga, desmentindo o brilho às vezes frio dos olhos. Um certo ar de Jeanne Moreau, e ninguém como ela. Que nem chegou a ter seu grande papel, sua Fedra, sua Petra, Seu Pixote, sua hora de estrela. Brilhante, mas, ao fundo, aquele ar de humanidade despedaçada que Marília também suporta. Ouvir Lilian falando era ficar arrepiado, olhos cheios de lágrimas: o humano excessivo aterroriza e maravilha. Igual à morte e ao amor.Guardo Lilian na memória não como a professora de Lição de Amor, a bêbada de Caixa de Sombras ou a dona-de-casa de Baila Comigo – escolho guardá-la metida na pele de um dos vagabundos de Samuel Beckett. Barriga falsa, suspensórios, calças pelo meio da canela, chapéu-coco. Meio clown, esperando por Godot. Que chegou, afinal. Lilian estava sozinha. Ele a levou consigo. Terá sido frio seu súbito abraço? Quem sabe não.Agora, no fim da noite de domingo, longe do colo morno do amor, a morte visita o apartamento e fico pensando em como recuperar minha imortalidade após este próximo ponto final. Preciso dela, amanhã de manhã. Quando o mundo continuará igual. Só que sem Lilian. E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo. Mais incompreensível, e menos nobre.




Caio Fernando Abreu




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'Sometimes late at night
I lie awake and watch her sleeping

Shes lost in peaceful dreams

So I turn out the lights and lay

there in the dark

And the thought crosses my min

If I never wake up in the morning

Would she ever doubt the way I feel

About her in my heart

If tomorrow never comes

Will she know how much I loved her

Did I try in every way to show her every day

That shes my only one

And if my time on earth were through

And she must face the world without me

Is the love I gave her in the past

Gonna be enough to last

If tomorrow never comes

cause Ive lost loved ones in my life

Who never knew how much I loved them

Now I live with the regret

That my true feelings for them never were revealed

So I made a promise to myself

To say each day how much she means to me

And avoid that circumstance

Where theres no second chance to tell her how I feel

So tell that someone that you loveJust what youre thinking of

If tomorrow never comes´.










9 comentários:

Anônimo disse...

Texto ta lindo !!!

palavras que encaixaram perfeitamente naquele dia ...

me re-fizeram chorar !

;*

Anônimo disse...

"Os olhos atestam a vida desistindo".
Não é fácil falar quando da morte. Suas palavras tocam fundo. Divide essa dor, menina, que ela é forte demais pra ficar no peito.
Sorriso de sua vó iluminando outro céu. Despertando outros sorrisos.
Guarda na lembrança e no coração a leveza de alma e o bom humor. A vida é assim mesmo: efêmera que assusta.
Meu abraço mais que sincero.

Anônimo disse...

Eu queria poder dizer que isso é algo que passa.

Não passa... apenas esmorece um pouco... mas não passa.

E é bom que não passe. Te faz sentir-se viva. Te faz perceber que precisa aproveitar cada vesga de tempo, cada caquinho de sentimento.

Ainda tenho os meus momentos de saudade do meu avô. Entendo em parte...

um beijo...

saudade...

Anônimo disse...

Olá, se você puder, por favor visite meu blog literário.
Aumente o volume e vá até à sala onde estão guardados os
PAPIROS DE ALEXANDRIA

http://papiros.zip.net/

Se gostar e quiser me adicionar na sua página, vou adorar!
Abraços
Luciano

Unknown disse...

É que acordamos todos os dias vivos e, aí, esquecemos do tempo em que éramos crianças.
Apesar das aparências, a morte ainda é uma coisa sagrada.


Força, irmãzinha. A felicidade passa por aqui.
;]

Anônimo disse...

Venho de vagar pela blogsfera e coincidentemente eles diziam da morte! Incrível como respirar a sombra da morte, o inesperado da morte, o depois da morte, o pós-guerra, o crepúsculo, nos diminui um bucado... ambos os textos me sensibilizaram... venho nauseado para admitir meu tamanho!

bjs e nova vida, mesmo que inventada!

Clóvis Struchel disse...

(...)


"Tem certas coisas que eu não sei dizer..."


Amor de vó.
Tão puro, tão próprio.
Amor de vó não amor de mãe, nem de tia, nem de vizinha, nem de babá.
Amor de vó é amor sorridente, com rugas num rosto doce de admiração, amor de vó é amor saboroso, bom bolos quentinhos e café feito na hora.Amor de vó é o silêncio da sabedoria, as palavras sempre leves, sempre calmas, palavras de quem sabe o que diz.
Amor de neta é eterno, amor de neta é grato, amor é de neta é feito amor de vó, puro, cristalino, cúmplice, porto-seguro.
Amor puro de puro amor.


Paz.

Briza disse...

eu tô aqui.

Cecília Braga disse...

Eu sei, meninamarela.
Coração encontra conforto.
=***